Manual de investimento irresponsável: toda corrupção será relativizada.


Depois de ouvir pela 59ª vez na semana um gestor de recursos afirmar que é sustentável porque não investe em empresas que adotam trabalho escravo e a exploração de criancinhas tendo a concordar com o novo imortal Ailton Krenak: a ideia de sustentabilidade é uma vaidade pessoal; ralar no caminho de Santiago ou rolar no Himalaia não eleva ninguém, é só uma fricção com a paisagem, não tira ninguém do ponto morto (do livro “A vida não é útil” – pg. 103 - Companhia das Letras).

Ao fazerem afirmações vazias fico imaginando se esses investidores esperavam encontrar um CEO com um chicote na mão, em pleno “empresa-day”, berrando “quero lucro meus escravos, ou melhor, nossos queridos colaboradores !!!” para classificar a empresa em desalinho com critérios ESG.

Por outro lado, esses investidores posam de sonsos, cegos ou com ouvidos mocos quando alguém questiona o que fizeram com o tal de dever fiduciário ao constatarem o “preço” da corrupção em empresas listadas brasileiras – módicos R$ 5,780 bilhões. Quem pagou essa conta? Vamos refrescar a memória dessa turma com os valores pagos de multas por empresas listadas em passado recente nos respectivos acordos de leniência (ou seriam acordos de saliência?):

Empresa

Valor da multa

Referência jornalística

Braskem

R$ 3,1 bilhões

https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/braskem-firma-acordo-de-leniencia-com-mpf-e-deve-pagar-multa-de-r-31-bilhoes.ghtml

BRF

R$ 583 milhões

https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/12/29/brf-fecha-acordo-de-leniencia-e-pagara-mais-de-meio-bilhao-de-reais-a-uniao.htm

CCR

R$ 750 milhões

https://forbes.com.br/negocios/2019/03/concessionaria-da-ccr-faz-acordo-de-r-750-mi/

Embraer

US$ 206 milhões

https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/10/embraer-admite-que-pagou-propina-e-faz-acordo-de-r-64-mi-com-cvm.html

Hypera

R$ 110 milhões

https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/o-acordo-de-leniencia-de-r-110-mi-da-hypera-que-fez-a-acao-disparar

 

A 1ª desculpa esfarrapada para justificar investimentos em empresas corruptoras é “a empresa está no Ibovespa e tenho que ter na carteira”.

A 2ª desculpa mais ouvida: erros do passado recentíssimo não comprometem o futuro. A empresa mudou a “governança”, colocou figurões no Conselho e até criou o cargo de CECGRCIP, o genérico que cuida de compliance, gestão de riscos, controles internos e outras perfumarias.

E a última e mais esdrúxula: os controladores mudaram o “mind set”, se conscientizaram que aquela vida pregressa de empreiteiro corruptor pode impedi-los de receberem a benção do Papa Francisco ou de obterem um visto para visitarem o Pateta com os netinhos.

E parece que na área de crédito o caminho é o mesmo, pois as opiniões de especialistas ESG das instituições financeiras são ignoradas – tudo pelo lucro, pois o importante é o bônus do final de ano e emprestar mais do que a turma da Cidade de Deus (https://reporterbrasil.org.br/2023/10/audios-revelam-pressao-para-itau-liberar-r-25-mi-a-um-dos-maiores-desmatadores-da-amazonia/).

Abraços fraternos,

Renato Chaves

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