A mão suave do regulador: porta giratória, conflito de interesses e a frouxidão nas punições.
Reproduzo meu artigo publicado no Valor, seção Pipeline, no dia 4/6 (no link https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/opiniao-a-mao-suave-do-regulador-porta-giratoria-conflito-de-interesses-e-a-frouxidao-nas-punicoes.ghtml).
A captura dos reguladores
financeiros pelos chamados agentes privados é um tema quente mundo afora,
especialmente na Europa e Estados Unidos (vejam o artigo https://www.publico.pt/2018/04/12/mundo/noticia/a-porta-giratoria-com-que-os-privados-capturam-os-reguladores-financeiros-da-comissao-europeia-1809927),
mas bem morno no Brasil, para não dizer gelado.
O pouco que se discute aqui é
com relação à atuação das agências reguladoras (como ANP, ANS e ANEEL) e seus
reflexos na prestação de serviços à população, ficando de fora a autarquia que
regula o nosso mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (veja
mais no link https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-teoria-da-captura-e-as-agencias-reguladoras-no-brasil/1300726250).
Tenho alertado, diante do
uso constante da ferramenta “termo de compromisso” pelos acusados de delitos e
de absolvições polêmicas, que o “Xerife” está deixando de usar punições mais
duras, como multas e inabilitação, para educar o mercado. E pior, como essa
ferramenta permite que os processos sejam encerrados sem julgamento, com o
acusado se comprometendo a cessar a prática delitosa sem admitir culpa, fica a
sensação de impunidade: para todo tipo de delito, não importando a gravidade, é
possível negociar um acordo, com o dinheiro funcionando como um poderoso detergente
que tudo limpa.
Assim, não é de se estranhar
que vejamos um crescimento do número de casos de Administradores que negociam
ações de posse de informações ainda não divulgadas ao mercado, até mesmo CEOs e
diretores de relações com investidores-DRIs (vide casos da Hypera, JBS, MRV,
Grendene, Trisul e Banco ABC), profissionais que deveriam atuar como fiéis
guardiões das informações sensíveis das companhias.
E o que falar da falta de
punição para Administradores flagrados em operações de pagamento de propina a
políticos? Certamente o caso Hypera, processo encerrado com termo de
compromisso de pouco mais de R$ 12 milhões, é o mais emblemático.
Avalio que essa frouxidão
nas punições (criei até um divertido lema: CVM o ombro amigo, a mão que afaga)
acontece porque vivemos uma situação de conflito de interesses permanente.
Explico: por conta da ocupação das posições no colegiado majoritariamente por
advogados, profissionais que hoje acusam e julgam e que amanhã estarão do outro
lado do “balcão”, tendo como potenciais clientes todas as empresas listadas,
seus acionistas controladores e Administradores, é até natural que os “xerifes”
de hoje não queiram entrar em “bola dividida”, ou seja, não queiram assumir
opiniões contundentes sobre matérias polêmicas, como na discussão tão sensível
a acionistas controladores sobre conflito formal x conflito material.
Assim, nota-se que os votos
proferidos por tais profissionais carecem de uma postura mais rígida, sendo
raríssimas as proposituras de inabilitações até mesmo no julgamento de
infrações gravíssimas, como Insider trading e manipulação de mercado. Fico
imaginando a frustação da competente área técnica da Autarquia ao ver robustas
peças de acusação terminarem em absolvições polêmicas, como no caso JBS.
Mas o Xerife puniu de forma
exemplar os Administradores da Oi, com multas de mais de R$ 200 milhões em
julgamento ocorrido em 30/6/23 (valor que supera o total de multas aplicadas em
2022 - pouco mais de R$ 44 milhões), dirão os defensores do status quo. Um caso
entre muitos, com executivos que já estão fora do Brasil, fazendo parecer que a
Autarquia está “batendo em cachorro morto”: quero ver cobrar essa multa lá em
Portugal, considerando que boa parte da punição aplicada - R$ 169,5 milhões -
recai sobre o ex CEO português.
Mas como minimizar essa
situação? Privilegiar a indicação de nomes originários de carreiras do Estado,
como auditores da Receita Federal, funcionários do BACEN/BNDES e da própria
CVM, pode ser um caminho, uma vez que tais profissionais não levariam consigo a
preocupação de levar adiante uma carreira no “mercado” após a atuação na
Autarquia. Por fim, diante da constatação de que a remuneração paga aos diretores
da CVM (R$ 13.623,39 segundo o Portal da Transparência do Governo Federal), é incompatível
com a responsabilidade do cargo, fica parecendo que quem coloca a estrela de
Xerife no peito o faz por diletantismo. Ou não?
Como diz o ditado “No creo
en brujas, pero que las hay, las hay”.
Renato Chaves
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