Uma ação, um voto? Depende.
A grande polêmica do momento, que fez surgirem cartas de protesto e
editoriais, chegando até ao STF, passa longe de um aspecto que deveria ser um
pilar da boa governança corporativa: uma ação, um voto. Traduzindo para o
português de botequim: o meu R$ 1,00 investido em uma empresa listada deve ter
o mesmo poder político do R$ 1,00 investido pelo fundo de pensão dos
professores do Arkansas ou qualquer outro acionista, seja ele de que
nacionalidade for. Afinal, no regime econômico vigente dinheiro não é tudo
igual?
Está lá no Código de Melhores Práticas do IBGC (disponível no link
https://www.ibgc.org.br/conhecimento):
1.1
Propriedade – sócios:
Cada
socio e um proprietário da organização, na proporção de sua participação no
capital social.
1.2
Conceito “uma ação = um voto”:
O
poder político, representado pelo direito de voto, deve estar sempre em
equilíbrio com o direito econômico.
O
direito de voto deve ser assegurado a todos os sócios. Assim, cada ação ou
quota deve assegurar o direito a um voto. Este princípio deve valer para todos
os tipos de organização. A vinculação proporcional entre direito de voto e
participação no capital favorece o alinhamento de interesses entre todos os
sócios.
É esse conceito que me garante participar ativamente de
assembleias Brasil afora, com o mesmo direito de voz do Sr. John Smith do
Arkansas (alô turma de Camaçari, tem processo novo na CVM !!! Controlador não
pode eleger 3 membros em um conselho fiscal anacrônico com 4 “parceiros”).
Mas no nosso mercado de capitais a criatividade jurídica faz com
que o conceito “Uma ação, um voto” se transforme em um “depende”. Como assim?
Tenho 30% do capital votante e só posso votar com 10%? Ah, mas o Congresso... “Os
cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as
salsichas e as leis”, é a notória frase atribuída a Otto von Bismarck.
Devemos rasgar o Código do IBGC?
Como diria o brilhante Chico Buarque em “Vai passar”:
“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
Até entendo e aceito a obrigação de realização de oferta pública
por atingimento de participação relevante em empresas sem controlador (apanhei
muito na pulverização do controle da Embraer), algo tratado pelo IBGC com
reservas em seu Código:
1.6
Mecanismos de proteção à tomada de controle (poison pills): Esses mecanismos podem
fazer sentido nas companhias de capital diluído, desde que não retirem dos
sócios a decisão final sobre a necessidade da realização da OPA. Podem ser
aceitáveis, desde que se prestem a finalidade clara de otimização e preservação
de valor para todos os sócios. Ainda assim, devem ser utilizados com parcimônia
e critério e precisam ser revistos periodicamente. Ao constitui-los, e
importante que se reflita sobre as consequências da norma. Além disto, esses
dispositivos devem contar com previsão estatutária de quórum que assegure a
representatividade dos sócios e que não inviabilize a mudança.
É isso, nenhuma linha sobre restrição de voto. No mais o que temos
é gente tentando justificar o injustificável, na linha “passar a boiada”.
Abraços fraternos,
Renato Chaves
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