O blábláblá de gestores sobre os princípios ASG.
São cada vez mais
frequentes declarações de gestores e de reguladores sobre a importância dos
princípios de ASG no processo de seleção de ativos. Alguns incluem a letra I,
de integridade, e assim empresas com boa governança, íntegras e seguidoras de boas
práticas ambientais e sociais seriam privilegiadas pelo mercado. O jornal Valor,
em suas edições dos dias 17/4 e 20/3, traz algumas dessas declarações.
Mas será mesmo que o
discurso é coerente com a prática?
Vou me ater ao aspecto
governança corporativa, a praia que eu gosto. Quando vejo gestores falarem do
aspecto integridade confesso que o sangue ferve, afinal empresas corruptoras
continuam recebendo investimentos via mercado de capitais como se nada tivesse
acontecido em passado recentíssimo (algumas ainda negociam acordos com as
autoridades). Essas empresas criam uma diretoria de compliance, demitem todos
os executivos que hipoteticamente criaram o esquema de corrupção à revelia do
conselho de administração (a turma amiga do príncipe baiano não sabia de nada
kkk), nomeiam novos conselheiros de administração com bom pedigree (normalmente
ex reguladores ou ex CEOs famosos), ou seja, dão um “tapa” na aparência e tudo
fica como dantes no Quartel D’Abrantes. Mas isso é assunto para outra postagem.
Vamos falar de remuneração,
abuso de acionistas controladores na divisão da verba global aprovada na AGO?
Queridos leitores, parece
razoável pagar para o presidente do conselho de administração remunerações até
18.000% acima da menor remuneração recebida por outro conselheiro? Remuneração
galáctica justificada única e exclusivamente pelo passado brilhante do fundador,
hoje ocupante da presidência do conselho? Vale lembrar que a legislação nos diz
que conselheiros de administração tem os mesmos deveres, não existem super
conselheiros ou conselheiros categoria A ou B. Será que temos vários Bill Gates
espalhados por aí, cientistas de foguete para Marte, são flores raras no deserto
do Atacama? Ou será que recebem remuneração diferenciada simplesmente porque
são acionistas controladores ou ligados aos grupos de controle? Vejam alguns
exemplos nessa tabela com dados de 2018, extraídos dos últimos formulários de
referência depositados na CVM.
Maior
|
Menor
|
DIF %
|
|
AMBEV
|
R$
8.659.261,70
|
R$
484.455,99
|
1687%
|
AZUL
|
R$ 12.853.920,00
|
R$
7.000,00
|
183527%
|
BRADESCO
|
R$ 27.684.000,00
|
R$ 4.325.625,00
|
540%
|
BTG
|
R$
4.800.000,00
|
R$
206.750,00
|
2222%
|
Brasilagro
|
R$
2.962.760,68
|
R$
235.864,21
|
1156%
|
Cia Bras Distr
|
R$
6.380.144,00
|
R$
92.400,00
|
6805%
|
CYRELA
|
R$
3.351.942,00
|
R$
243.636,00
|
1276%
|
DASA
|
R$
3.631.778,67
|
R$
390.000,00
|
831%
|
Equatorial
|
R$
2.534.398,26
|
R$
180.000,00
|
1308%
|
Gerdau
|
R$
9.029.427,00
|
R$
519.421,00
|
1638%
|
Itau
|
R$ 12.941.000,00
|
R$ 2.652.000,00
|
388%
|
Localiza
|
R$ 10.954.730,47
|
R$
964.543,57
|
1036%
|
MRV
|
R$
6.465.781,00
|
R$
225.000,00
|
2774%
|
Natura
|
R$ 28.784.300,00
|
R$ 1.236.300,00
|
2228%
|
Porto Seguro
|
R$
8.498.780,00
|
R$
348.780,00
|
2337%
|
São Carlos
|
R$
6.547.942,19
|
R$
78.700,00
|
8220%
|
Suzano S.A
|
R$
7.232.604,12
|
R$
270.548,98
|
2573%
|
Santher
|
R$
3.411.296,28
|
R$
204.000,00
|
1572%
|
Sejamos sinceros, ninguém
consegue, individualmente, em um conselho de administração que se reúne
mensalmente com 11, 12 conselheiros (para que tanta gente? 7 , no máximo 9
conselheiros dão conta do recado !!!), agregar valor à Cia. que justifique uma
remuneração anual de R$ 28 milhões. Até porque conselheiros de administração estão
ali para atuarem como “freios” dos executivos, monitorando riscos e definindo
políticas gerais corporativas.
Contratar as pessoas certas e estimular esses
executivos a inovar tem valor? Claro. Mas quanto isso gera de EBITDA? Não
conheço quem tenha medido esse suposto ganho. Participam da construção de uma
estratégia vencedora, liderando o processo de planejamento estratégico da Cia.?
Ok, merecem uma remuneração justa, compatível com o risco de ser administrador
de uma empresa grande. Mas até sobre esse aspecto cabe a seguinte reflexão: em
caso de uma situação de calamidade, como um grande acidente ambiental, quem vai
para delegacia é o CEO, nunca o presidente do conselho. Alias, façam um teste:
perguntem para os analistas desses mesmos gestores os nomes dos presidentes dos
conselhos de administração das empresas que eles acompanham... Vai ter gente
gaguejando, pedindo ajuda para o Google ou para o amigo estagiário. Ou seja,
não só porque a empresa é muito grande que se justifica o pagamento de cifras
descoladas da realidade da própria empresa.
Se ganham isso tudo é
porque a política de remuneração foi construída para beneficiar única e
exclusivamente o presidente do Conselho de Administração. Poderíamos
classificar como uma mamata corporativa recheada de conflito de interesses:
muitas vezes o acionista controlador (como pessoa jurídica) aprova a verba
global na AGO e depois vota a distribuição da verba no Conselho de
Administração, destinando a maior fatia do bolo para seu o bolso, pessoa
física. Não tomam nem o cuidado de se absterem na votação dentro do Conselho.
Em português claro: é uma
forma de pagar dividendos extras para essas “flores do deserto”, de uma forma
disfarçada.
Quando divulgarem as
informações de 2019 vai ser interessante, pois teve acionista controlador que
saiu da presidência do conselho e colocou um conselheiro independente no
lugar... Será que o novo chairman vai ganhar os mesmos R$ 10 milhões? Vou ficar
de olho...
E como ficam os gestores?
O discurso casa com a prática? Eles seguem os princípios de stewardship? Ou tomam
conta do dinheiro dos outros de forma passiva, burocraticamente? (leia mais no
site da AMEC - https://www.amecbrasil.org.br/stewardship/sobre-stewardship/)?
Raras vezes um gestor
questiona as remunerações nababescas de executivos. Alguns votam contra a verba
global na AGO, mas só isso. Votam calados. Nenhum pedido de informações, muito
menos registro de voto.
Ativista raiz, gestor com
G maiúsculo, deposita voto contrário na assembleia, não se limita a votar
contra e fazer propaganda enganosa por aí.
Um abraço fraterno,
Renato Chaves
#FiqueEmCasa
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