A independência do conselheiro de administração e a demonização dos acordos de acionistas.


(da série “Polêmicas em GC”)
Vira e mexe o assunto independência do conselheiro de administração aparece em palestras sobre GC, especialmente quanto tem um advogado no painel. E se alguém da plateia tiver a petulância de “defender” o artigo 118 da Lei 6404, que trata de Acordo de Acionistas, o risco de ocorrência de um linchamento verbal é enorme. E olha que, dizem as más línguas, o artigo foi “encomendado” somente para viabilizar as privatizações no Brasil (foi a 1ª vez que ouvi falar de grampos telefônicos fora dos filmes de James Bond; hoje virou lugar comum na imprensa).
Podemos classificar a polêmica sobre a questão “independência” (ou a falta de) em duas frentes: independência em relação ao grupo de acionistas que elegeu o conselheiro, mais comum em empresas com controle definido,e em relação aos executivos da Cia., observado com mais frequência em empresas com controle difuso.
Vou cutucar o 1º vespeiro. Como muito bem dito por um ilustre advogado amigo na palestra do IBGC que lançou o “Guia de Orientação Jurídica de Conselheiros de Administração e Diretores” falar em independência de conselheiros é uma redundância, visto que sob a ótica da Lei todos os conselheiros são independentes em relação aos acionistas que os elegeram: o compromisso é sempre com a Cia. Mas acontece que, como todo ser humano, o conselheiro tem um DNA e, assim como jabuti não sobe em árvore, conselheiro não nasce “conselheiro”. Todos são independentes, mas todos “carregam” um pensamento alinhado com um determinado grupo, caso contrário não aceitariam o convite; não existem os chamados “puros de alma”(os monges tibetanos estão atarefados demais no seu país invadido e não podem atuar em conselhos de administração...). Quando a empresa é de um único dono a solução usual é a seguinte: são eleitas pessoas da família, amigos muito próximos da família ou algum ex-ministro da Fazenda bom samaritano. Mas quando o grupo de controle é formado por CNPJs o caminho é eleger conselheiros que concordem com o modelo de GC desses sócios. Um exemplo prático: se um banqueiro baiano ou um bispo que não paga aluguel me convidassem para atuar como conselheiro eu jamais aceitaria, por dinheiro nenhum nesse mundo.
Mas o que leva um investidor, ou um grupo, a adquirir o controle de uma Cia, pagando por vezes um ágio considerável em relação ao valor de mercado? (tô parecendo aquele comentarista chato do Sportv que gosta de perguntar e responder tudo...). O bom senso diz que é a“convicção” de que conseguirá implementar uma estratégia diferenciada, que proporcionará melhorias nos resultados. E para fazer isso esse grupo investidor precisará nomear administradores que concordem com a sua estratégia (o tal pensamento alinhado), caso contrário o seu plano de negócios poderá ser frustrado. Imaginem a confusão que seria um grupo de acionistas controladores sem um acordo que regule o voto e outras questões: o fundo de private equity pensaria em abrir o capital em 18 meses, o fundo de pensão gostaria de crescer a Cia. mais um pouco antes da oferta de ações, para receber dividendos maiores lá na frente e um 3º grupo de investidores pensaria em vender a Cia. imediatamente para aproveitar uma janela do mercado. Uma verdadeira cachoeira de estratégias conflitantes. Um exemplo bem lúdico: um grupo de investidores resolve comprar o controle de uma mineradora valiosa, antes “amarrada” pelo controle estatal (restrição a investimentos). A estratégia do novo grupo caminhará pela diversificação geográfica dos negócios, explorando manganês, bauxita, níquel e outros minerais mais “limpos” pelo mundo afora; serão evitados investimentos na exploração de diamantes/pedras preciosas, por discordarem das práticas “flexíveis” desse mercado (exploração de mão de obra infantil, contrabando, corrupção de governantes, financiamento de grupos guerrilheiros, etc.). Os conselheiros eleitos terão a liberdade para deliberar um aumento de capital para investimentos em diamantes/pedras preciosas, por mais rentáveis que sejam? A resposta parece simples, um sonoro não. Se um dos controladores for uma Cia. trading do mercado de metais e pedras preciosas, ele poderá submeter uma proposta dessas ao Conselho? Não, a proposta sequer será pautada....E aí surge a reunião prévia do acordo de acionistas: é uma forma de formalizar a opinião/desejo dos controladores para o conselho em assuntos “sensíveis” (principalmente sobre endividamento e estrutura de capital), de forma organizada, alinhando o pensamento do grupo de acionistas controladores; o conselheiro que sempre terá a liberdade de segui-la ou não. Tudo preto no branco, sem recados por telefone ou bilhetes em guardanapos de papel de lanchinho de avião. Sob a ótica do investidor minoritário entendo que o mecanismo confere até mais segurança, pois qualquer ilegalidade escrita na ata da reunião prévia servirá como prova para uma futura ação judicial de ressarcimento.
Há de se salientar que é salutar que existam diferentes visões sobre como maximizar os resultados de uma Cia., mas quando existe a figura do controlador é razoável, economicamente e até filosoficamente falando, que essa visão prevaleça. A afirmativa lírica de alguns proeminentes palestrantes “se quer continuar mandando fecha o capital !!!” merece a seguinte resposta, igualmente poética: “se não concorda com a estratégia do grupo signatário do acordo de acionistas, pede para sair....”. Não dizem que o mercado é o melhor remédio para tudo?
Já tratei da falsa polêmica sobre orientação de voto do conselheiro eleito por grupo de controle, em empresas com acordo de acionistas (postagem “Artigo 118 da Lei 6404: afinal, existem conselheiros laranjas?” de 28/10/2010). O chamado “dirigismo de voto” só existe para o conselheiro limitado, que não entende qual o seu papel em uma S/A. O conselheiro, em paz com a sua consciência, sempre poderá votar contra o que foi decidido em uma reunião prévia de acionistas. Simplesmente o seu voto será desconsiderado pelo presidente do Conselho.  Ou seja, não existe conselheiro “laranja”, mas podem existir conselheiros “bananas”, independente de ser uma empresa com acordo de acionistas. E mais: identificando uma ilegalidade, o conselheiro discordante tem a obrigação de denunciar o fato para os demais administradores, para os acionistas e até para a CVM, caso o “desvio de conduta” não seja corrigido. Mas caso seja uma simples discordância sobre a estratégia adotada, por não existir mais o tal alinhamento com o grupo de acionistas que o elegeu, ele deve renunciar imediatamente.
Para aqueles conselheiros que acham que os acordos de acionistas empobrecem as reuniões dos conselhos lá vai uma sugestão: leiam atentamente os acordos e descubram que o número de temas que obrigatoriamente são tratados em reunião prévia é limitado. Ou seja, você tem liberdade para opinar, sugerir, fiscalizar, solicitar estudos, etc. Seja proativo e não espere que a reunião prévia encaminhe uma votação com uma estratégia que você discorda: sua postura diligente poderá levar a Administração e os acionistas controladores para outra direção. E tome a iniciativa de sugerir temas para discussão, pois a sua postura demasiadamente educada (estilo padre inaciano que prega a eterna conciliação) e enervantemente acanhada é a verdadeira culpada pelas reuniões “burrocráticas”.
Outro dia ouvi de um importante gestor carioca, especializado em fundos de investimento com foco em GC, que ele prefere investir em empresas onde é possível identificar o controlador: se acredita no negócio, gosta da estratégia e confia no caráter ele investe, caso contrário não participa nem de reunião na Apimec, para não perder o seu precioso tempo. Concordo em gênero, número e grau, até porque o que tem de empresa com controle difuso onde todos os conselheiros independentes foram ungidos pelo CEO não tá no gibi.... Tem até conselheiro que era controlador e quando a empresa foi incorporada virou independente, uma piada.
Ufa; por fim, quem tiver a curiosidade de ler um pouquinho sobre a questão da independência de conselheiros em relação aos executivos da Cia. (ou a falta de) sugiro a leitura da postagem do dia 22/10/2010 (“Será que os conselheiros independentes são realmente independentes?”).
Abraços e uma boa semana para todos,
Renato Chaves

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