Termos de compromisso e a moral flexível.

A recente rejeição de uma proposta de termo de compromisso, de forma correta diga-se de passagem, só reforça o sentimento de repulsa pelo uso indiscriminado dessa ferramenta pela CVM (https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2025/cvm-rejeita-proposta-de-termo-de-compromisso-com-banco-j-safra-s-a-turmalina-gestao-e-administracao-de-recursos-s-a-e-seus-diretores).

Reparem que o principal argumento usado pelo Comitê de Termo de Compromisso (CTC) para rejeitar a proposta – a gravidade, em tese, das condutas em tela com o respectivo o enquadramento de tais condutas no Grupo V do Anexo A da Resolução CVM 45* – nos faz perguntar: esse tal “medidor de gravidade” da Rua Sete de Setembro está quebrado? Observem que na lista de infrações graves da referida Resolução está incluído Insider trading e abuso do poder de controle.

Mas está parecendo que “a ocorrência de trabalho análogo à escravidão e a inobservância de deveres fiduciários dos administradores da Companhia”, nesse caso recente**, é algo terrivelmente mais grave que “ordenar, na condição de presidente do conselho de administração e acionista controlador, a celebração de contratos “fantasmas” para suportar o pagamento de propinas a políticos” (o famoso caso da empresa farmacêutica que resultou em um terminho de compromisso de R$ 10 milhões) ou até mesmo insider trading cometido por presidente de conselho de administração/acionista controlador (ex: um certo bilionário paulista pagou R$ 20,2 milhões em acordo e anda solto por aí propondo a incorporação de concorrentes).

Parece que a régua de gravidade da CVM é mais flexível que bambu sapecado, aquele usado pela gloriosa torcida alvinegra para tremular a imagem da Estrela Solitária nas arquibancadas do Niltão.

Abraços fraternos,

Renato Chaves

* I – descumprimento dos deveres fiduciários dos administradores de companhias abertas ou fundos de investimento, ressalvadas as condutas específicas descritas em outro Grupo neste Anexo; II – violações que constituam infrações graves à norma que dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários; III – violações que constituam infração grave relacionada às ofertas públicas de aquisição de ações; IV – relacionadas ao abuso de poder de controle; V – relacionadas ao abuso de direito de voto; VI – relacionadas à criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários e uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários, manipulação de preços ou a realização de operações fraudulentas; VII – relacionadas à utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado; VIII – exercício irregular de atividade de administração de carteiras de valores mobiliários; e IX – exercício irregular de intermediação de valores mobiliários.

** o processo sancionador foi instaurado para apurar: (i) suposto descumprimento do Código de Conduta Ética, por terem sido identificados funcionários terceirizados submetidos à situação análoga à escravidão na edição de 2023 do festival Lollapalooza (possível infração ao art. 154 da Lei 6.404 c/c o art. 12, § 2º, do estatuto social da Companhia); (ii) suposto descumprimento do dever de diligência por (a) deixar de fiscalizar as atividades do Comitê de Auditoria relacionadas à organização e à realização da edição de 2023 do festival Lollapalooza, (b) subestimar os riscos associados ao cumprimento do Código de Conduta pela sociedade contratada e (c) deixar de implementar as melhorias necessárias para mitigar os riscos associados aos fatos denunciados nas edições de 2018 e 2019 do Festival (possível infração ao art. 153 da Lei 6.404).


Comentários

Postagens mais visitadas