Super-executivos com remunerações estratosféricas, mas com responsabilidades limitadas?


Em recente artigo na coluna Radar Jurídico da revista Veja (A cadeira de conselheiro e o banco dos réus - https://veja.abril.com.br/coluna/radar-juridico/a-cadeira-de-conselheiro-e-o-banco-dos-reus/) o ilustre colunista David Rechulski nos revela sua preocupação com o fato de “Diretores e conselheiros de administração têm sido arrastados para o centro da sanha punitivista contemporânea, vendo-se continuamente ameaçados de serem responsabilizados criminalmente não por sua real conduta, mas por seus cargos e por alegadas omissões apenas presumidas.”

Afirma ainda: “Trocando em miúdos, é a responsabilidade objetiva ganhando corpo, mesmo que, sob o prisma penal, seja ela vedada em nosso ordenamento jurídico.”

Sob a ótica do investidor responsável, aquele que exige que o processo de seleção de executivos seja conduzido por uma empresa especializada (os chamados head hunters) e que aprova pacotes de remuneração generosos para capturar os melhores talentos (é comum remunerações de CEOs acima de R$40 milhões/ano nas empresas que compõem o Ibovespa), os contratados são profissionais  diferenciados e não se espera que, em uma crise provocada por uma fraude contábil, acidente ambiental ou outra situação grave, eles aleguem que não sabiam de nada, que a empresa é muito grande e é impossível se inteirar de todos os sistemas de controle, blábláblá, blábláblá, blábláblá... Se é assim vamos combinar que ao invés de contratar um super-executivo que ganha R$ 50 milhões ou mais por ano e nunca sabe de nada, a empresa poderá optar por ter 3 ou 4 executivos com remunerações menores, mas com efetivo controle e responsabilidades sobre a sua área de atuação. Sai o poderoso diretor presidente/CEO, que custa R$ 50 milhões/ano, entram 2 ou 3 superintendentes (ou outra denominação qualquer) ganhando R$ 10 milhões cada um.

Vale ressaltar que em recente caso julgado na CVM a acusação sobre o CEO e seu diretor subordinado de eventual responsabilidade em infração ao artigo 153 da Lei nº 6.404/1976 por descumprimento do dever de diligência (PAS CVM Nº 19957.007916/2019-38), se baseou nas seguintes observações:

·        eles não participavam de discussões sobre o tema, se contentando em receber informações resumidas de vez em quando;

·        não solicitavam relatórios e outros documentos que poderiam mostrar o verdadeiro estado do equipamento;

·        se limitavam apenas a tomar conhecimento de que “declarações técnicas” eram emitidas, não procurando se informar em que condições;

·        a despeito da realização de fóruns que reuniam especialistas de dentro e de fora da companhia para tratar do tema, até mesmo especialistas internacionais, os dois executivos nunca participaram de qualquer evento, seja no início, durante e nas apresentações de encerramento;

·        nunca tiveram nem mesmo a "curiosidade” em terem acesso aos relatórios finais, que indicariam uma série de não conformidades relacionadas aos equipamentos;

 

Fica parecendo um caso típico de quebra do dever de diligência, SMJ, como diriam os advogados. Sabiam que o tema era crítico, mas deram a devida atenção.

O resultado do processo é conhecido: o CEO foi inocentado e o diretor condenado a pagar multa de R$ 27 milhões por infração ao tal artigo 153 da Lei 6404/76.

Definitivamente não se espera que tais executivos tenham dons divinos da onisciência e onipresença, como citado no referido artigo, mas sim que atuem de forma responsável e, como conhecedores que são dos riscos operacionais dessas grandes corporações, que busquem incessantemente e cobrem informações confiáveis de seus subordinados. Por outro lado, não podemos crer que todos os acidentes ambientais e “eventos/fenômenos geológicos”, como o afundamento de bairros de uma Capital nordestina, acontecem por obra única e exclusivamente do Divino Espírito Santo.

Ninguém é obrigado a assumir uma vaga de conselho ou diretor estatutário, mas se aceitou tem que atuar com diligência. Os bônus são reais, dinheiro no bolso, e os ônus podem vir a qualquer momento, se executivo faltar com a diligência.

Abraços fraternos,

Renato Chaves

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