Sr. Conselheiro: é bom pensar duas vezes antes de uma abstenção.

Para reflexão (preferencialmente na serra de Visconde de Mauá ou nas praias de Angra dos Reis): a análise de alguns Processos Administrativos Sancionadores na CVM nos faz concluir que o conselheiro (fiscal ou de administração) que optar pela abstenção de voto deve pensar muito bem nas conseqüências do seu ato. Isso porque o “deixar de opinar”, mesmo que seja apresentada uma justificativa, não exime o conselheiro de investigar/questionar a proposta apresentada e, quando constatada alguma irregularidade, denunciar o caso às instâncias competentes. Ou seja, abster-se não é sinônimo de “lavar as mãos”.

Vamos aos fatos: no processo nº 08/05, instaurado a partir de reclamações de acionistas minoritários da Trikem S/A, empresa de capital aberto que foi incorporada por outra empresa listada, o conselheiro de administração que se absteve de votar sob a alegação de que o material elaborado pela Administração da Cia. para a reunião foi disponibilizado sem tempo hábil para análise, foi acusado de “ter violado o disposto no artigo 153, ao não ter empregado a diligência necessária na operação de incorporação, abstendo-se de votar na reunião do Conselho de Administração que aprovou a proposta de incorporação, não tendo se posicionado, mesmo que posteriormente, a seu respeito”. Já o conselheiro fiscal que adotou postura semelhante, mesmo registrando que solicitou prazo para um melhor exame da matéria (no que não foi atendido), foi acusado de “ter violado o disposto no artigo 153 c.c. 165 da Lei nº 6.404/76, ao não ter empregado a diligência necessária na operação de incorporação e ao não comunicar aos órgãos da administração e à assembléia geral o motivo de sua recusa em opinar sobre a incorporação, consignada em sua declaração de voto na reunião do Conselho Fiscal, exigida pelo § 3º do artigo 165, da mesma lei”. Vale registrar que o diretor-relator do processo não aceitou os termos da acusação, no que foi acompanhado pelos demais diretores, em julgamento realizado no dia 12/12/2007.   

Mas outro processo não teve o mesmo final feliz para o conselheiro de administração que se absteve de votar em matéria relevante (proc. nº 04/99 – Bombril S.A. julgado em 17/04/2002). O inquérito concluiu que “ A abstenção de voto não elide a responsabilidade de conselheiro. O conselheiro que se abstém de votar em matéria tão relevante, na verdade, não está exercendo a sua função adequadamente, pois a abstenção, no caso, equivale à omissão. Nem se diga que o fato de o conselho ter encomendado a emissão de um novo laudo significa que seu voto foi nesse sentido, pois a função do conselho, nos termos do artigo 142, inciso I, da Lei nº 6.404/7610, é de fixar a orientação geral dos negócios da companhia. Diante disso, é fundamental o voto do conselheiro e inadmissível que aquele a quem cabe traçar a política da companhia se abstenha de votar uma matéria que representava 66% do patrimônio líquido da companhia. Não consta da ata, inclusive, qualquer justificativa para a omissão do Sr. Fernando ter deixado de votar. Realmente a omissão no caso equivale a uma renúncia à condição de conselheiro”. Resultado: multa de R$ 50 mil.

Extrapolando essa lógica, podemos imaginar que o conselheiro que vota contra determinada matéria, sem apresentar por escrito suas razões, poderá ser igualmente questionado pelo regulador ou por um acionista minoritário pelo entendimento de que, se o conselheiro concluiu que a proposta colocada em votação não atendia os interesses da Cia., ele teria a obrigação de denunciar o fato. E ainda, caso os órgãos estatutários permanecessem omissos, a denúncia deveria ser feita diretamente para a CVM. Afinal, votar contra sem justificativa em questões sensíveis (ex: uma aquisição ou uma proposta de aumento de capital), pode suscitar dúvidas sobre o real interesse do conselheiro – estaria ele votando contra a matéria para defender interesses de determinado acionista em detrimento da Cia.?

Fica a lição para o conselheiro: sempre registre, com voto em separado, uma posição discordante ou de abstenção “forçada” (como falta de informações ou de tempo hábil para análise), investigando a matéria mesmo após a votação e denunciando, em última instância à CVM, eventuais erros/desvios que tenham sido identificados e não apurados pelos órgãos estatutários da Cia.

Comentários

  1. Bem interessante e importante! Obrigado, Renato!

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  2. Oportuna abordagem, com excelentes dicas, Caro Renato. Ao fundamentar com bons argumentos os posicionamentos que levam à abstenção, ou ao voto dissidente, e registrá-los na respectiva ata, evidencia que o conselheiro foi diligente. Diz um provérbio latino: "Diligens praesumitur, quilibet negligens" (Presume-se diligente, quem não for negligente.
    Abraços,
    Wilton

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  3. Paulo Rogério dos Santos Lima10/03/2011, 19:20

    Oi, Renato:

    Oportuna abordagem sobre a responsabilidade irrevogável do conselheiro de administração ou fiscal na defesa dos interesses da companhia em deliberações relevantes para a integridade da sociedade. Eu concordo que o conselheiro não pode simplesmente se abster de uma decisão no qual ele discorda e, assim, se eximir de qualquer culpa sobre o que irá ocorrer posteriormente. O dever de diligência, assim como o de informar e de ser leal, é condição fundamental para o exercício deste cargo e, assim, o conselheiro tem a obrigação de zelar pelo interesse da sociedade ao manifestar em ata a razão da sua contrariedade e, mais importante, buscar informações e dados da companhia ou de outras fontes fidedignas relacionadas ao fato para consubstanciar o seu voto e, assim, informar à Assembleia Geral de Acionistas a justificativa relatada. Este é o comportamento que se espera de um conselheiro de fato.

    Um grande abraço,

    Paulo Rogério dos Santos Lima

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