Quem tem a coragem de propor mudanças no Art. 289 da Lei 6404/76?

Você gastaria R$ 900 mil por ano para publicar algo no jornal que não será lido, seja por conta das letras miúdas ou porque o conteúdo está disponível na internet (na página da empresa, da Bolsa e da CVM)? Pensei nisso outro dia, ao me deparar com uma cena surreal: a página de um valoroso jornal, com editoração perfeita, foto de qualidade e logo de uma das maiores corporações do Brasil capeando suas demonstrações financeiras, estava sendo usado não por um analista ou muito menos por um acionista, mas sim por um cão labrador e seu dono em uma destinação pouco digna para a qualidade da publicação.

Alguns céticos (e certamente os donos de jornais) podem retrucar afirmando que o dono do cão que perambulava pela bucólica Rua Assis Brasil é um assíduo leitor das demonstrações financeiras publicadas em jornal; só não teve interesse específico no caderno com a publicação “daquela” S/A porque é um rancoroso que já perdeu dinheiro investindo na empresa. E ainda odeia computadores, internet, etc.!!! Será que a preocupação com esse tipo raro de investidor (que só deve existir em Copacabana e em Piripiri), justifica que todas as companhias abertas brasileiras gastem milhões de reais anualmente com a publicação em jornais de “grande” circulação? E para que serve a publicação no Diário Oficial, “coisa” que só os estagiários de escritórios de advocacia lêem – vítimas de alguma pegadinha certamente? Será que vale a pena procurar no DO, ao lado das demonstrações financeiras, a publicação de atos secretos do nosso prestigiado Senado Federal ou a lista dos passaportes diplomáticos concedidos?

E como fica o investidor que mora em Santa Branca (RS) ou Arapongas (PR), aonde a internet banda larga já chegou, mas os jornais de “graaande” circulação ainda não. Será que existe algum jornal no mundo que garanta uma circulação maior do que a oferecida pela internet?  Sob esse aspecto a nossa legislação ainda está no século XIX. A edição da Revista Relações com Investidores (RI) do mês de novembro nos revela que em breve será possível visualizar demonstrações financeiras oficiais nos tablets. E para piorar a situação, a Administração da Cia. não tem sequer a chance de negociar seriamente valores com os jornais, uma vez que a mudança do veículo de publicação só pode ser feita com registro na ata da assembleia e nenhum jornal aceita negociar preço para o ano seguinte ou contratos de longo prazo. Tem jeito de cartel, cara de cartel e cheiro de cartel, mas o CADE, o mesmo que deixa o importante mercado de cervejas concentradíssimo, está mais preocupado com pizzas congeladas e croquetes de frango (um bom assunto para futura postagem: como a demora do CADE pode travar o fluxo de negócios no Brasil).
Mas, se esse tipo de investidor ainda existe (eu duvido que alguém faça investimentos em ações sem consultar a internet), talvez possamos atendê-lo com uma publicação em jornal na forma sumária, quem sabe somente do balanço patrimonial e DRE – uma DFP express. Se ele é um investidor comprometido com a lucratividade do seu investimento e, por tabela, com o nosso meio ambiente, certamente aprovará a medida. E o Hulk (este é o nome do labrador do início da postagem), como fica? Certamente o diligente investidor conseguirá na portaria do prédio um caderno menos nobre do jornal, como o caderno de TV e suas BBBaboseiras.

....havia um trabalho importante a ser feito e todo mundo tinha a certeza de que alguém o faria, qualquer um poderia tê-lo feito, mas ninguém o fez.....

E quem pode defender os investidores nessa hora? Onde estão as associações de investidores? E aquele instituto (infelizmente carioca) que se julga “senhor da verdade” ao gastar rios de dinheiro para defender interesses personalíssimos em briga judicial contra a CVM, apunhalando pelas costas o mercado de capitais? Não são os diretores financeiros das empresas que pagam as contas de publicação das DFPs? Será que as pessoas/companhias só se reúnem em torno de associações para defender interesses particulares? Onde fica a defesa do interesse público (são mais de 600 mil CPFs ativos no nosso mercado de capitais)? E depois promovem debates para saber por que o Bovespa Mais só tem uma empresa. Que empresário, faturando R$ 200 milhões/ano, vai aceitar pagar uma fortuna para o banco de investimento coordenador da oferta e depois ficar sócio eterno de um “grande” jornal?

Por fim, fica a triste impressão de que todas as demonstrações financeiras publicadas nos jornais do Brasil só servem como acessório indispensável para cadeia de abastecimento dos adoráveis labradores e golden retrives que andam por aí. Vida longa para o nosso mercado de capitais e também para o brincalhão Hulk, que não tem culpa de nada nessa triste história.

Abraços a todos,
Renato Chaves

Comentários

  1. Renato,

    A função da publicidade legal em 2011 é bastante questionável, seria mais viável criar um serviço de impressão de balanços e remessa por correio para os investidores que solicitassem.

    Enfim este tipo de norma ajuda a deixar o "Custo Brasil" elevado.

    Abraço,

    Denys Roman

    Ps. Minha cachorrinha apoia a alteração da lei, enquanto a lei não muda, ela pede que as empresas façam suas publicações no papel comum pois é mais barato e os líquidos aderem melhor.

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  2. Prezado Denys,
    A questão realmente é complexa. Tanto é que recebi uma mensagem de uma repórter amiga afirmando que existe um Projeto de Lei acabando com a obrigação legal de publicação em jornais e que isso levaria à quebra os jornais, com a consequente demissão dos jornalistas.
    Após o alerta (apesar de não concordar com a afirmação) fui pesquisar na página da Câmara e me deparei com Projetos já arquivados, como o PL 2669/1983 (arquivado em 05/04/83) e o PL 795/1979 (arquivado em 23/11/79), além do o PL 3741/2000, cujo último movimento ocorreu em 01/01/1900 (isso mesmo 1900 !!!) após uma proposição do Poder Executivo (MSC 1657/2000). Sinceramente, falece-me a competência para saber o que isso significa. O que nós todos sabemos é que as empresas continuam gastando milhões de reais a cada ano, sem que isso represente uma melhoria nas informações disponibilizadas para o investidor. O pato paga a conta.... Abraços a todos, Renato Chaves

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  3. Caro Renato,
    Você tem toda razão e a sua amiga jornalista também. Essa briga assimétrica é bem antiga. Paradoxalmente, os meios de comunicação evoluíram avassaladoramente a ponto de mexer com o "conforto" de antigos e tiranos ditadores. Mas, duvido que, em nosso Brasil varonil que Cabral descobriu, parta do Congresso qualquer iniciativa que venha contrariar interesses de alguns "cartórios" aqui existentes.
    Abraços,
    Wilton

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  4. Caro Amigo e Mestre Renato,
    Que a Paz seja sua permanente companheira.
    Como todos os da sua lavra, seus comentários sobre publicações de demonstrações financeiras têm a marca da coragem, do equilíbrio, da razão.
    Estou conselheiro em empresa que está prestes a publicar seus documentos. Já passam das 100 folhas (parece que há no ar uma competição, na base do "quem apresenta mais folhas?").
    Principalmente com a introdução das novas normas, as empresas têm abusado do academicismo.
    Em reunião na empresa, disse aos elaboradores que não há necessidade de se transcrever normas cansativas aos acionistas e analistas. Os primeiros esperam explicações simples, diretas; os segundos têm o dever de conhecê-las.
    (tudo isso sem se falar no descuido com a língua-mãe).
    Parabéns, Renato. Esteja certo de que a semente germinará.
    Fraterno abraço.

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  5. Renato,
    Parabéns pela colocação. Concordo com o comentário que aposta que a semente germinará. Entendo a preocupação da sua amiga, mas o mundo evolui. Questões políticas e sociais à parte, concordo que a publicação simplificada e o envio, sob solicitação do interessado, de complemento das informações poderia reduzir o custo financeiro e ambiental do processo e ainda facilitar a leitura por um número maior de interessados. Além disso, as empresas que desejarem "explicações mais acadêmicas" poderão continuar a publicá-las.
    Grande mestre,continue na sua cruzada pela qualidade da governança para um Brasil cada vez melhor.
    Abçs,
    Mônica Romero M. Marinho

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  6. Parte 1

    Meu prezado Renato,
    Você reascende uma discussão que já foi travada diversas vezes na Comissão de Mercado de Capitais da Abrasca nos últimos 25 anos. Lembro-me de duas oportunidades especiais. A primeira foi uma aprofundada discussão sobre os mecanismos utilizados pelos dos legisladores para assegurar que as informações e fatos de uma sociedade sejam acessíveis a todos os participantes do mercado de maneira equânime e tempestiva, e, ainda, possa ser consultada em qualquer momento. A segunda oportunidade foi outra discussão sobre a evolução dos “meios” (ou mídia para os especialistas do setor) em função dos avanços tecnológicos e dos efeitos da globalização. Acho que vale compartilhar o núcleo de ambas as discussões com você e seus leitores.
    No que se refere aos mecanismos utilizados pelos legisladores, identificamos que por diversas vezes o legislador utilizou dois verbos para assegurar que as informações e fatos de uma sociedade/companhia sejam acessíveis a todos os participantes do mercado de maneira equânime e tempestiva, e, ainda, possa ser consultada em qualquer momento. Um verbo é “ARQUIVAR” e o outro é “PUBLICAR”.
    O “ARQUIVAR” permite o registro da informação para consultas imediatas e futuras, e para isso a nossa CVM e o Banco Central (no caso das instituições financeiras) são as instituições mais apropriadas e estão mais do que capacitados para registrar e disponibilizar tais informações. Notem que ambas as instituições já utilizam a tecnologia e a internet para permitir a consulta do público e, assim, evitar assimetria no mercado (lembro sem saudades que existiam filas em guichês há duas décadas e que o primeiro da fila tinha uma enorme vantagem para fazer uso da informação em relação ao último da fila - eu presenciei oportunidades que configurariam situação de informação privilegiada nos dias de hoje). Portanto, em termos de arquivamento essas duas instituições são muito mais competentes do que os Diários Oficias... de longe!
    Já o verbo “PUBLICAR” tem a seguinte definição: mostrar algo ao publico, tornar algo conhecido e notório, divulgar, espalhar, propalar, proclamar, entre outros. Em nenhum dicionário você encontrará a indicação do meio, ou seja, em jornal ou televisão ou internet ou... Em suma, a eficiência da ação de publicar está diretamente relacionada à evolução da tecnologia e a evolução dos meios, por isso essa discussão na Abrasca já se misturou com a segunda oportunidade. Lembro que fiz uma apresentação mostrando que escrever em paredes de cavernas já foi um meio eficiente, depois veio a invenção do papel (105 DC) e os manuscritos e papiros que se seguiram, depois a descoberta da impressão (1.450 DC) e a possibilidade de reproduzir textos, mas foi no século 20 que a Mídia (meio ou em inglês media) se tornou em um meio de comunicação de massa e no meio mais eficiente de divulgação e publicação de fatos e informações. Primeiro foi a “mídia impressa” (jornais e revistas), depois a “broadcast media” (rádios e TV’s) e nos últimos vinte anos a crescente “interned based media” (world wide web, websites, blogs e muitas outras redes sociais).
    É óbvio dizer que já estamos na era da internet e que a mídia impressa já teve seu momento de supremacia, mas acabou seu ciclo. É incontestável que a internet é o meio mais democrático, barato, eficiente e dinâmico de informação, mas a maneira como está redigido o artigo nº 289 da Lei 6404/76 precisa ser revisto, pois ele foi redigido em um momento que a CVM, as Bolsas de Valores e as próprias empresas não tinham outros meios para “arquivar” e “publicar” seus atos e comunicados. Até mesmo o sistema de registros nas Juntas Comerciais era muito precário.
    ... continua

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  7. Parte Dois ... continuação

    Uma outra saída seria uma interpretação deste artigo pela CVM e a divulgação de uma instrução que contemplasse o atual contexto tecnológico e das melhores práticas do mercado. Esta saída não se trata de algo inédito, pois esse tem sido o papel desenvolvido pela SEC nos Estados Unidos, onde a Leis definem e regulam o “QUE”, o “ PORQUE” e o “QUANDO” deve ser divulgado, já o regulador (no caso a SEC) define e regula o “COMO” divulgar e o “QUEM” é responsável pela informação. Foi nesse espírito que foi elaborada da Regulation Full Disclosure (Reg FD) em 2000.
    Seria interessante se nossos reguladores conhecessem a pesquisa “Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira" que a Secretaria da Comunicação – SECOM divulgou em junho de 2010. Quem sabe não se inspiram no modelo adotado em muitos outros mercados e não retiram esse ônus de nosso mercado. É interessante notar que o estudo aponta que 11,4% da população lê jornal diariamente, enquanto que 46,1% acessa a internet. Os números pode ser questionados, mas a diferença não.
    Confesso que não sou muito otimista de que o bom senso prevaleça em situações e temas como este, que pareçam óbvias e de simples implementação, mas praticamente improváveis quando os interesses atingidos e os interessados vêem suas receitas serem reduzidas.
    Anyway, tem meu apoio. Abraço, Valter Faria

    P.S.: Sobre a demissão de jornalistas comentada por sua amiga, confesso que tenho algumas dúvidas sobre o melhor caminho e estou refletindo sobre os seguintes questionamentos:
    É justo que as empresas e o mercado de capitais se responsabilizem e que utilizam a publicidade legal para arcar com o custo pela manutenção dos postos de trabalho de jornalistas? Não seria a qualidade da notícia e a credibilidade do jornal que deveria assegurar a manutenção destes postos de trabalho mediante a venda de assinaturas e pela captação de anunciantes interessados em acessar seus leitores?

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  8. O link para acessar a pesquisa “Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira" que a Secretaria da Comunicação – SECOM é http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/imprensa/noticas-da-secom/secom-divulga-estudo-sobre-o-acesso-a-informacao-e-a-formacao-de-opiniao-da-populacao-brasileira/?searchterm=hábitos de informação da população brasileira

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  9. Prezado Valter,
    Agradeço a sua contribuição. Vou acessar o link sugerido. Abs, Renato Chaves

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