Termos de compromisso para insiders: crime arquivado com uns trocados.

Isso é o que eu chamo de termo de compromisso indigesto. Mais indigesto do que sanduíche de lingüiça com maionese, aquela que ficou no fundo da panela da carrocinha de cachorro quente do parque de diversões da cidadezinha do litoral de Santa Catarina. Pior do que chester com salmonela.

A história se repete: um conselheiro de administração de uma grande empresa (dessas que faturam mais de R$ 30 bilhões/ano), repito CONSELHEIRO DE ADMINISTRAÇÃO, compra ações em volume considerável (R$ 600 mil), 8 dias antes da divulgação do resultado anual. Ou seja, em PERÍODO VEDADO!!!

Com o belo resultado divulgado as ações sobem (lucro líquido 38% maior, EBITDA com crescimento de 35,3% !!!)... E aí, o “nobre” conselheiro vende TODAS essas ações pouco tempo depois, repito TODAS as ações, obtendo um ganho de R$ 165 mil. Nada mal pica pau.
Não estou falando de um estagiário do setor de contabilidade que teve acesso aos números e sorrateiramente comprou ações. Nem do garçom que serve cafezinho e pão de queijo nas reuniões do Conselho (registro: uns dos melhores pães de queijo do mercado). Estou falando de conselheiro de cabelo branco, com anos e anos de experiência na função: já deu tempo de aprender que detentor de informações privilegiadas não pode negociar ações 15 dias antes da divulgação dessas informações.

A alegação do acusado, referendada pela Cia, é risível, digna de registro: o conselheiro só tomou conhecimento do resultado anual 2 dias antes da divulgação. Somos todos otários: o conselheiro fiscalizou e acompanhou a preparação das demonstrações financeiras da Cia. durante 11 meses (em 2013 o Conselho se reuniu 18 vezes !!!), mas não fazia idéia qual seria o resultado do ano fechado. Mais ingênuo que o Felipão. Será que tamanho “desconhecimento” é que o levou a investir vultosa quantia e logo depois, em clara demonstração de “compromisso” com a empresa, vender tudo para embolsar um ganho considerável? Será?

A CVM aceitou essa argumentação fajuta desconsiderando a sua própria orientação, formulada em resposta à carta AMEC-Presi nº 13/2013: conselheiros de administração não precisam aprovar os demonstrativos trimestrais, mas devem apreciá-los de forma diligente sob a premissa de fiscalizar os negócios e a preparação das demonstrações financeiras (disponível em http://www.amecbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/09/Resposta_CVM_a_Carta_Presi_Amec_-13_2013.pdf).
Ou seja, o acompanhamento acontece durante todo o ano, e não somente quando da elaboração da DFP anual. Sofre o mercado, cuja credibilidade vai para a sarjeta.

Por essa e outras que defendo a idéia de “radicalização” das políticas de negociação, com a centralização no Diretor de Relações com o Mercado de todas as negociações que envolvam Administradores. Esse público não pode ter a liberdade de negociar valores mobiliários.

Fico imaginando a frustração da área técnica da CVM, que se esforça para identificar tais falcatruas e depois assiste os meliantes saírem sorridentes pela Rua Sete de Setembro, rumo à Confeitaria Colombo.

Vale a regra, corroborada pelos ilustres advogados de defesa: foi pego pelo xerife? Paga uns trocados e fica tudo bem. Afinal, o xerife não é o Bat Masterson.

O termo de compromisso funciona assim: o acusado, ao saber que o xerife está investigando suas negociações escusas, corre para a Rua Sete de Setembro com um bom advogado a tiracolo para engavetar a apuração, antes mesmo da abertura do processo sancionador. No caso em questão a 1ª proposta do acusado para engavetar o processo foi de R$ 70 mil, a 2ª proposta foi de 2 vezes o ganho embolsado, e por fim foi aumentada para R$ 495 mil (3x o ganho auferido com as “negociatas espúrias”). Conclusão: só paga quem carrega a certeza da culpa.

Atrevo-me a dizer que toda “negociação” de valores a serem pagos por insiders em “quase-processos” ganha ares de imoralidade, uma vez que os investidores que negociaram suas ações em condições diferenciadas dos criminosos nunca serão indenizados: todos os valores recebidos vão para o caixa único de Brasília. Sem falar que a Lei obriga o regulador a avaliar tais propostas considerando a natureza/ gravidade do crime cometido. E no caso de insider trading, a regulação é clara: trata-se de crime, infração grave, sem meias palavras. Talvez os investidores tenham que criar uma associação para reivindicar seus direitos. Seria a AILI – Associação dos Investidores Ludibriados por Insiders. Para piorar, no caso em questão os “negociadores” não consideraram os antecedentes do acusado, já condenado anteriormente.

Mas como a nossa brilhante Câmara dos Deputados não se digna a apreciar o Projeto de Lei 1851/2011, que visa impedir o uso de termo de compromisso para infrações graves, só nos resta aguardar o próximo caso, que não tarda em chegar. Afinal, o crime de insider trading no Brasil é na verdade um “meio crime”, que pode ser engavetado antes da abertura do processo. Matou alguém (no caso a credibilidade do mercado)? Corre pro delegado, ainda com o defunto fresco debaixo do braço, e negocia “um qualquer” que fica tudo certo... Lavou, tá limpinho e cheiroso.

Quem sabe o próximo caso não virá antes do Natal, junto com um suculento chester?

Abraços a todos,

Renato Chaves

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