Enganando conselheiros, investidores e a sociedade: “gerenciamento de resultado” pode até matar um desavisado....


Os cariocas continuam reféns do medo. Não estou falando da violência, comum em todas as grandes cidades, e nem mudei o tema do Blog para escrever sobre o cotidiano da cidade maravilhosa. Também não gosto de falar de casos específicos de empresas, mas agora é diferente: é que quase fui vítima do “gerenciamento de resultado” de uma S/A. Literalmente, pois no último sábado, ao caminhar na Av. N. Sra. de Copacabana me deparei com uma esquina interditada pelo Corpo de Bombeiros: mais um bueiro da Light havia voado pelos ares (veja a foto que tirei na hora). Fui salvo pelo destino dirão alguns – resolvi ir de metrô e voltar a pé da entrega dos kits da corrida de domingo que acontecia em um hotel no Posto 6... Mas o fato é que, em algum momento do passado – não estou questionando a gestão atual da Cia. até porque muito admiro o trabalho do Jerson Kelman – a empresa negligenciou a manutenção dos equipamentos situados no subsolo das ruas cariocas. O “gerenciamento de resultado” em empresas de capital aberto por razões não tão nobres (ou longe das razões republicanas no linguajar de Brasília) é algo já evidenciado em estudos acadêmicos em nosso país. Mas qual seria a motivação? Segundo Antonio Lopo Martinez, em sua tese apresentada na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP em 2002 com o título “Gerenciamento" dos resultados contábeis: estudo empírico das companhias abertas brasileiras (http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-14052002-110538/pt-br.php), haveria o interesse de administradores em: “a) evitar reportar perdas; b) sustentar o desempenho recente e c) reduzir a variabilidade dos resultados”. Já a tese de Adriana Cristina Garcia Trapp (A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis), apresentada na mesma instituição em 2009 (disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-08072009-160920/es.php), revela que “o gerenciamento de resultados surge nas organizações no momento em que os gestores responsáveis pelas informações contábeis fazem uso de julgamento para alterar os relatórios financeiros externos, com o intuito de intervenção proposital no processo e obtenção de algum ganho pessoal”. Sigo a mesma linha (talvez um pouco mais provocativa), já que avalio que o tal “gerenciamento” tem como objetivo maior turbinar pontualmente os bônus anuais dos administradores.

Solução para os bueiros voadores cariocas? Simples, basta um Juiz determinar o bloqueio de valores na conta-corrente da Cia. (eles são tão rápidos para soltar banqueiros e assassinos atropeladores...), condicionando a liberação dos recursos à comprovação de troca de equipamentos obsoletos. Ameaças do MP, reportagens na imprensa... Nada disso funciona, a linguagem que todo executivo entende é a linguagem do dinheiro.

Mas o “gerenciamento de resultado” é algo complexo, que vai desde a “economia” deliberada (e por vezes criminosa) até ajustes contábeis de natureza discricionária. Temos um caso recentíssimo, publicado no jornal Valor de 21/6 (“Varejista chilena La Polar mancha reputação do setor”), onde a ocultação da necessidade de fazer provisões pela inadimplência de pelo menos 290 mil clientes alcançou a incrível cifra de US$ 891 milhões !!! Vejamos alguns tipos de “gerenciamento”:

  • A postergação de realização de despesas com propaganda (devidamente orçadas) pode afetar a participação no mercado;
  • A restrição à contratação de funcionários, mantendo o contingente de empregados abaixo do orçamento, pode comprometer a produção e o atendimento ao cliente, com deterioração da percepção da qualidade dos produtos/serviços;
  • A restrição à realização de gastos com treinamento e pesquisa pode comprometer a qualidade dos produtos/serviços e levar à perda de “talentos” para a concorrência;  
  • A adoção de uma política de vendas agressiva, com o afrouxamento das regras de crédito e sem a devida “arrumação” da empresa, pode acarretar um aumento na inadimplência e deterioração nos indicadores de qualidade (garantias, pós-venda, etc.);
  • A não realização de gastos com manutenção de equipamentos comprometerá a produtividade no médio prazo, além de criar um potencial passivo ambiental. Em uma empresa de serviços o resultado pode ser “bueiros voadores”....;
  • O acúmulo de rejeitos da produção, inclusive de produtos tóxicos, com a postergação de gastos com a destinação definitiva, cria um passivo ambiental no longo prazo; por vezes a constatação do dano acontece em 5 ou até 10 anos depois da “decisão gerencial” (configurada como crime diga-se de passagem);
  • A postergação de investimentos na modernização do parque fabril/tecnológico preserva o caixa no curto prazo, mas pode comprometer de forma irreversível a produtividade/competitividade no futuro;
  • A subavaliação dos valores a serem segurados preserva o caixa no curto prazo, mas pode ter consequencias irreversíveis em caso de sinistro;
  • A postergação da baixa de estoque de difícil realização e bens inservíveis;
  • Implementar medidas judiciais para evitar o recolhimento de impostos, com base em teses jurídicas de escritórios de advocacia especializados, sensibiliza temporariamente o EBTIDA, mas pode resultar em enorme prejuízo em caso de derrota no julgamento definitivo da matéria.
Vale ressaltar que essa lista não é exaustiva, devendo ser engordada a partir de contribuições dos visitantes. O email direto do Blog para o encaminhamento de contribuições é rchaves@blogdagovernanca.com.

Abs a todos e uma boa semana,
Renato Chaves

Comentários

  1. Um amigo do Blog alertou para o fato, publicado na imprensa, do modelo de formação de tarifas de energia elétrica “induzir” as empresas a postergar a manutenção preventiva, uma vez que os investimentos feitos na fase de revisão periódica das tarifas ajudariam a “turbinar” o reajuste (a revisão acontece a cada 4 anos em média). Citou ainda o caso da concessionária de energia que atende a cidade de SP, onde as interrupções de energia são bem mais freqüentes do que os “bueiros voadores” cariocas. Por fim, ele sugere uma pesquisa sobre o volume de dividendos distribuídos (os executivos estariam beneficiando os acionistas atuais em detrimento do desempenho operacional da empresa e do retorno para os acionistas no futuro), o tempo de interrupção no fornecimento e o índice de reclamações no PROCON.

    Vale lembrar que o caso do vazamento de petróleo no Golfo do México em abril/2010 não foi um fato isolado: a matéria dos jornalistas Guy Chazan, Benoit Faucon e Ben Casselman, do The Wall Street Journal (publicada no Valor de 01/7/2010), revela que a mesma empresa já enfrentava problemas com manutenção em outra plataforma (ou se esquivava dos problemas?), no mesmo Golfo do México dois anos antes, mas concluía que um problema com a vibração de certos equipamentos "não era em si uma causa para preocupação com a segurança ou o meio-ambiente", e adiou o conserto de algumas bombas para o ano orçamentário seguinte. Naquela oportunidade o vazamento foi pequeno (193 barris), mas os lucros recordes de 2008 e 2009 foram transformados em generosos bônus. No final da história terminou sobrando para peixes, albatrozes e seres humanos....

    Contra a ganância só nos resta uma ferramenta: a transparência.

    Abraços a todos,
    Renato Chaves

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