Críticas à SEC pelo uso de “Termos de Compromisso” (2ª parte)

Estimulado pelo visitante Fábio Galvão (comentários postados em 19/5 e reproduzidos na íntegra no final deste texto), apresento considerações adicionais sobre o assunto “Termo de Compromisso”.
Como todos sabem não sou advogado. Ou seja, minhas considerações sobre o tema foram construídas com base na leitura de processos, na conversa com agentes que atuam no mercado de capitais e também com renomados advogados (todos militantes no mercado de capitais e até alguns ex-dirigentes da CVM). Assim, a minha opinião sobre o tema pode carecer de embasamento teórico (jurídico), mas está solidamente fundamentada na chamada “leitura de mercado”.
Reafirmo o meu enorme apreço ao instrumento “Termo de Compromisso” (ou TC para os íntimos), pela agilidade que proporciona a processos que, pela própria origem dos fatos, não demandam uma apuração mais profunda; como exemplos podemos citar os casos de atraso na publicação de demonstrações financeiras: o que a CVM irá apurar se levar o processo adiante? O fato está dado, não há o que apurar. O TC é apropriado, pois atende os princípios de oportunidade e conveniência.
Achei particularmente interessante a sua observação sobre a semelhança do termo de compromisso com a transação penal, logo no 1º parágrafo. Fui estudar um pouco o tema e me deparei com o conceito de ”infração de menor poder ofensivo”. Pelo que entendi (lembrete: sou carioca com 45 anos de praia, botafoguense, mas não sou advogado), a “transação penal” é utilizada para “infrações de menor poder ofensivo” e substitui uma eventual condenação com privação de liberdade pela prestação de serviços comunitários e/ou doação de cestas básicas. Isso se a condenação for inferior a 2 anos. Um exemplo recente que pesquisei: no caso do atropelamento do filho de uma famosa atriz global, aqui na cidade maravilhosa, o rapaz que estava como carona no veículo envolvido no evento fez uma “transação” com a doação de cestas básicas e o compromisso de prestação de serviços comunitários, “benefício” que não pode ser estendido ao condutor do veículo - por razões óbvias.
Devemos nos perguntar por que não é possível realizar um Termo de Compromisso para casos de suspeita sobre operações no mercado de capitais para lavagem de dinheiro: suspeito que o legislador tenha considerado a gravidade da infração. Êpa, peralá, quem afirma que insider trading é uma infração grave não é o Blog da Governança, é a própria CVM.... A Instrução 491, de 22/2/2011 (que revogou a famosa e temida Instrução 131 de 17/8/1990), enumera 12 artigos da Lei 6404 nessa categoria, entre eles o art. nº 155, §§ 4º (trata do Dever de Lealdade do administrador). Não parece contraditório classificar a infração como sendo grave e adotar um mecanismo que faz desaparecer a referida gravidade (cadê o processo? Foi para a gaveta nº 5 do Arquivo Geral...)? Não estaria a CVM contrariando o art. 9º da Deliberação CVM nº 390, de 8/5/2001, que prevê que a proposta de celebração de termo de compromisso deverá considerar, no seu exame, a oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os antecedentes dos acusados e a efetiva possibilidade de punição (alterado pela Deliberação CVM nº 486, de 17 de agosto de 2005). Considerando que a gravidade da infração é algo cristalino, segundo a própria CVM, resta indagar se existe alguma dúvida sobre a “efetiva possibilidade de punição” quando um administrador negocia ações no período que antecede a divulgação de um fato relevante? Achar que valores milionários pagos em TCs servem de mensagem educativa para o mercado significa negligenciar a inteligência do próprio mercado: vamos contar quantos processos para apuração de insiders foram iniciados após a realização de grandes operações de compra/cisão/fusão de empresas?
Sei que alguns leitores vão achar que estou “pegando pesado”, mas atrevo-me a fazer uma comparação para caracterizar o insider trading como sendo de “forte poder ofensivo” ao mercado de capitais. Considerando que o mercado vive de informações e que o administrador é o fiel depositário das informações confidenciais da Cia., a ocorrência freqüente de casos de insider  (especialmente quando ocorrem grandes transações de compra/venda/fusão entre empresas) levaria os investidores a desacreditar na chamada “eficiência informacional do mercado”, pelo menos no que diz respeito à fonte de informações “empresa de capital aberto” (uma fonte primária...). Nesse caso, o administrador insider seria equiparado com o policial militar que utiliza o armamento que lhe é fornecido para sair praticar crimes na rua (vira e mexe nos deparamos com noticias dessas nos jornais). Esse investidor especial, que “veste” o uniforme de administrador naquele momento, eleito em assembleia com a confiança dos demais investidores, assim como a população que confia no agente policial, está se valendo da sua posição privilegiada (uma verdadeira “otoridade” como diria o lendário Odorico Paraguassú) para auferir ganhos com uma “arma” chamada “informação privilegiada”.
Gostaria de reforçar o conceito que defendo: partindo do pressuposto de que o regulador possui um quadro técnico de excelente qualidade e que, por conta dessa capacidade, jamais seria leviano na abertura de processos sancionadores, as infrações graves devem ser apuradas até o final, sem que exista a possibilidade de compra de uma carta especial de Banco Imobiliário. A “compra” dessa “carta de alforria”, via TC, pode não ser ilegal, mas é imoral.
Seria muito simples para a CVM restringir a celebração dos termos de compromisso para infrações graves (todas inclusive insider trading): bastaria incluir tal restrição no art. 1º - § 1º da Deliberação CVM nº 390. Mas já que a minha pregação não encontra acolhida na Rua Sete de Setembro 111, só me resta buscar conforto em outros corações e mentes. E a vontade de continuar nessa luta só aumenta, especialmente agora que surge um eco no hemisfério norte.... Desistir jamais....
Abs a todos,
Renato Chaves

COMENTÁRIO POSTADO EM 19/5 PELO VISITANTE FÁBIO GALVÃO
Prezado Renato,
Tenho muita admiração pelo seu trabalho e sinto-me identificado com a sua visão sobre o tema da governança corporativa, mas permita-me discordar da sua análise e da sua visão a respeito do uso de Termos de Compromisso.
Sempre fui um defensor da aplicação desse instituto também no Direito Administrativo Sancionador, pois em tudo se assemelha ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e à transação penal. Note que é a Lei, sempre a Lei, que faculta aos regulados utilizarem-se da possibilidade de celebração de Termo de Compromisso para encerrarem um procedimento administrativo, sendo que só quem já experimentou as agruras de sofrer uma investigação poderia lhe dizer o que isso pode render para a continuidade do negócio e a imagem institucional de uma companhia ou outro agente do mercado.
Em uma conjuntura na qual o mercado brasileiro expande-se cada vez mais, pode-se dizer que seja uma conseqüência natural que um número maior de participantes do mercado esteja sujeito a sofrer investigações, ainda que não sejam culpados quanto à matéria de fato ou que não se lhes possa imputar a prática de uma conduta ilícita. É, mais uma vez, o que diz a Lei.
Também a Lei vai demonstrar que não se trata de um “TV Show” (no estilo do "Let´s Make a Deal"). Não, meu caro. Não é assim que aconselharia um cliente meu a se portar perante a CVM, pois o que vai ser exigido dos regulados investigados em um procedimento administrativo não é o "quer pagar quanto?" e sim a cessação da prática que, em tese, pode vir a ser considerada ilícita e a correção das possíveis irregularidades com indenização, se for o caso de haver quem se apresente como vítima.
São, portanto, 2 requisitos legais e, sinceramente, não vejo esse espaço todo para a discricionariedade que se imagina haver. Trata-se de se adequar a proposta do regulado aos requisitos da Lei, sem o que o Termo de Compromisso jamais poderá ser celebrado. No mais, a menos que haja uma decisão final no processo sancionador, estar-se-á sempre falando de possibilidades. Há um princípio legal que diz que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Se não houvesse a presunção de inocência e de não-culpabilidade, estaríamos voltando aos tempos do Estado ditatorial, em época de arbitrariedades e trevas!
Os investigados devem sim ter direitos e garantias, o que não quer dizer que os Termos de Compromisso sirvam para desqualificar as acusações. Esta é uma interpretação equivocada do preceito legal e creio que não interessa ao Estado, tampouco aos regulados, andar por esses caminhos tortuosos. As acusações são verdadeiras (não é o caso de desqualificá-las), pois seguem um procedimento regimental para conduzir à produção de provas sem que se ceife do investigado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Mas não se pode achar que a produção de provas seja uma atividade trivial sempre. Em casos de “insider trading”, por exemplo, não é. Na hipótese em que não resta demonstrado corretamente o uso da informação privilegiada, a acusação pode fazer água e é pra isso que servem os advogados especializados, ou seja, para defenderem seus clientes porque são presumidamente inocentes e não-culpados no regime democrático de direito.
Frouxidão nos processos haveria se quem fosse responsável por produzir provas não se esmerasse para tal e, de outro lado, haveria arbitrariedades se quem devesse defender das acusações não pudesse fazê-lo. Para além desse primeiro argumento, é lícito não se chegar a tal fase do processo (sancionadora), pois autorizada em Lei está a possibilidade de encerrar o processo antes, pois ninguém é obrigado a passar pelas agruras da investigação se convicto de sua inocência e não-culpabilidade, mas não queira submeter-se a um julgamento. Os julgadores também erram (admitamos isso ao menos por hipótese) e há acusadores que, de tão hábeis, são capazes de convencer a quem julga de que um inocente é culpado. Não se pode, ademais, vedar que o Estado busque ser eficiente encerrando processos por intermédio de mecanismos alternativos. A acusação não pode ser vista como uma finalidade em si mesma, porque a simples existência dos procedimentos de apuração já é suficiente para produzir o efeito que deles se espera, qual seja: desestimular as possíveis condutas ilícitas.
Por incrível que possa parecer, o Direito Administrativo Sancionador no Brasil não é um bebê que engatinha... Em seminários internacionais, facilmente se contata que outros reguladores se ressentem da existência dos mecanismos que temos aqui, inclusive no que diz respeito aos meios de produção de provas e de defesa. A comparação com a SEC, ao que me parece, faz parte de um complexo inferior que um dia existiu, mas não acredito que deva existir ainda. Muitos problemas que ocorreram naquela jurisdição não aconteceram por aqui em crises recentes, lembra? Pois bem. O que se tem em termos de valores pagos em Termos de Compromisso é até objeto de crítica por parte dos regulados daqui e situa-se bem acima da média do que é praticado em outros países. “Insider”, por exemplo, tem gerado acordos sempre na casa de 2 vezes o lucro auferido/perda evitada, quando a pena máxima vai até 3 vezes. Então, não sei se o múltiplo no Brasil é bem maior. Mas, com certeza, posso lhe dizer que, se alguém for pensar em praticar “insider” nesse cenário regulatório, estará sabendo que o risco pode ser grande na punição e mesmo no acordo, e deverá ter aconselhamento para que, caso abram um procedimento administrativo contra si, o melhor a fazer será contratar um bom advogado.
Já mostro, assim, que não posso concordar com o juiz Radkoff. Um advogado especializado saberá informar seu cliente de que não estará comprando cartas do Banco Imobiliário. Existe um balizamento dos valores aceitos na celebração de Termos de Compromisso e eles pesam no bolso! Esta não é uma ponderação financista, mas a de que uma só realidade fática pode decorrer da constatação da existência desse balizamento: a sensação de impunidade não está nos valores pagos nos acordos, porque tais Termos de Compromisso fizeram parte dos casos processados, embora não julgados. Sensação de impunidade haveria se os casos não fossem processados, nem julgados. E, como eu disse antes, diante da existência do processo administrativo regularmente instaurado, a Lei faculta a opção por um dos dois caminhos (julgamento ou acordo).
Por ser oportuno, quero lembrar que o acordo administrativo não tem o condão de sustar o andamento de eventual procedimento criminal que tiver sido aberto a partir da comunicação do regulador de valores sobre indícios de condutas tipificadas como crime em tese, como é o caso do “insider”, visando que o Ministério Público tenha elementos para decidir sobre o oferecimento ou não da denúncia. É, portanto, um sofisma achar que alguém que tenha a convicção de sua inocência não possa, ao mesmo tempo, ter uma motivação justa (eu diria até "mais do que justa") - pessoal ou profissional - para não se ver como acusado de um ilícito administrativo ou de um crime em tese, sabendo que pode ele encerrar o processo ainda na qualidade de investigado, ou seja, na fase de investigação e não na fase sancionadora.
Digo, então, porque permitido por Lei, que um investidor ou um homem de negócios tem o direito de decidir se quer propor um acordo de R$ 5 milhões, mesmo tendo a mais absoluta certeza de sua inocência, quando paga seus impostos, atua como investidor ou profissionalmente de forma regular, está revestido pelo manto da presunção de inocência e da não-culpabilidade, é livre para empreender ou negociar, dispõe das garantias e direitos constitucionais, mas opta por não querer estar sujeito às agruras dos processos administrativos ou criminais, não querendo submeter-se às desventuras características de uma atividade em que o Estado nem sempre acerta a mão – na condenação ou na dosimetria da pena -, mas ele (investidor ou profissional) não está disposto a correr o risco de o Estado errar, pois poderá responder com sua reputação, além de responder com seu patrimônio pessoal ou com a continuidade dos negócios que administra.
Defendo que a análise da utilização dos Termos de Compromisso ser correta ou não ultrapassa a abordagem do artigo do FT, porque no contexto das atividades profissionais muitas vezes nos vemos diante de situações mais complexas, que envolvem riscos de diversas naturezas. Os próprios administradores de companhias já dispõem no mercado de seguros de proteção que lhes é oferecida para os riscos inerentes ao exercício de suas atividades. Não vejo porque os investidores e outros profissionais de mercado não possam ter à sua disposição aconselhamento especializado para lidar com a instauração de processos administrativos e criminais. Só quem dirige é que corre o risco de bater com o carro. Da mesma forma, só quem investe ou exerce atividades no mercado de valores poderá enfrentar decisões como a de querer fazer um acordo ou ser julgado, e terá invariavelmente que considerar a defesa do patrimônio que investiu ou a continuidade da atividade que está autorizado pelo regulador a exercer.
Forte abraço,
Fábio Galvão

Comentários

  1. Caro Renato,
    Inicialmente quero agradecer-lhe por ter, com a elegância que sempre o caracterizou, dado destaque à minha manifestação e, com isso, ainda ter solucionado os problemas que tive em função do limite ao número de caracteres nas postagens do blog, em minha primeira tentativa.
    Acho oportuno, também, registrar que não se trata de um “duelo de titãs”, como no comentário espirituoso do Wilton Daher. Nesta nossa comunidade dos profissionais que se interessam pelos temas de mercado de capitais, acho que estamos todos imbuídos da intenção de promover o debate de idéias e construir a credibilidade do mercado brasileiro (e dos agentes que nele atuam), muito mais até do que pretender determinar com que está a razão sobre os temas específicos.
    Meu primeiro comentário sobre a similitude dos institutos do TC, do TAC e da transação penal foi no sentido de que em todos eles há uma “negociação”, ou seja, estabelecem-se as regras para negociar e, assim, as partes da negociação podem chegar (ou não) ao acordo, seguindo essas balizas. Foi o que fez a Deliberação CVM nº 390... Estabeleceu as regras para negociação entre o Comitê de Termo de Compromisso e o proponente. E o fez (estabelecer as regras) porque a Lei assim determinou que fosse feito (arts. 8º, inciso I, e 11, §10, da Lei nº 6.385). Ou seja, essas são as regras para a transação administrativa, que, como você bem ressaltou, diferem das regras para a transação penal.
    Não considero que fazer uma análise do instituto do TC em termos técnicos irá nos conduzir necessariamente a conclusões acerca da moralidade de sua aplicação. O meu ponto principal (e maior preocupação) é que esse tipo de debate não venha a desestimular o uso de TCs, que já se mostraram ser um mecanismo eficiente para aumentar a rapidez na solução dos casos. A proposta de restringir a celebração de TCs para infrações graves me parece ainda mais deletéria, porque não foi isso que a Lei prescreveu em relação a essas infrações. O que a Lei diz (art. 11, §3º) é que as infrações graves serão consideradas para efeito de aplicação das penalidades previstas nos incisos III a VIII do mesmo artigo, que são medidas mais duras como a suspensão e a inabilitação. Dessa forma, tem-se penalidades mais fortes para ilícitos considerados mais graves.
    Existe um princípio que diz que aos particulares é lícito fazer tudo o que a Lei não proíbe, mas na Administração Pública funciona ao contrário, o sujeito só pode fazer o que a Lei expressamente permitir. Então, acho que seria muito preocupante se o regulador de valores adotasse uma postura como a que você sugeriu, pois estaria “receitando” aos regulados um “remédio” que a Lei não prescreveu. Não pode fazer isso! Não pode criar restrições que a Lei não impôs. Os regulados têm direitos e garantias que devem ser respeitados, estando respaldados para fazer tudo o que a Lei não lhes vedou fazer, inclusive propor TCs a respeito de temas regulatórios que não são defesos por Lei.
    (CONTINUA)

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  2. (CONTINUAÇÃO 1)
    Por 17 anos prestei minha contribuição ao serviço público, dele me afastando definitivamente no início deste ano para dedicar-me exclusivamente à iniciativa privada, atuando como advogado especializado em mercados financeiros e de capitais. Mas a minha filosofia é a de que dos dois lados há gente procurando construir credibilidade para o mercado brasileiro. Fico preocupado com a afirmação de que a “leitura do mercado” é a de que ir negociar uma proposta de TC, sob os parâmetros da Lei, seja interpretado como “a possibilidade de compra de uma carta especial de Banco Imobiliário” ou como “a compra de uma carta de alforria”. Seria um retrocesso engessar o mecanismo dos TCs sob o argumento de que a negociação regularmente instituída contrariasse a Deliberação nº 390 e desconsiderasse, no seu exame, “a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo”.
    Não é fato, meu caro. Todo advogado que milita nesta área já teve oportunidade de ler um parecer do Comitê de TC e verificar que, necessariamente, se faz uma análise da gravidade da conduta em tese tipificada como ilícito administrativo. Ou seja, além da conveniência e oportunidade, enfoca-se objetivamente a reprovabilidade da conduta, em particular. E é preciso, então, desmitificar essa idéia do “Banco Imobiliário”. Não concordo com a tese do juiz Radkoff e, respeitando, como sempre, os profissionais na relação pessoal que com eles mantenho, também não concordo com os que seguem esta linha de pensamento.
    O juízo de conveniência e oportunidade é justamente o que vai nos permitir diferenciar a “negociação” (que é regularmente instituída ao amparo da Lei) de uma interpretação, a meu ver equivocada, de que são “negociatas”. Como eu disse, há sempre uma fundamentação através de parecer do comitê técnico ou do próprio Colegiado, expressando porque o regulador de valores considerou conveniente e oportuno fazer um acordo em determinado caso ou, do contrário, inconveniente ou inoportuno fazê-lo em outra situação. Não estou falando isso em defesa do regulador, mas sim, o que me interessa, a favor da preservação do instituto do TC e da garantia que os regulados devem ter de fazerem suas propostas e verem seus acordos sendo celebrados, sob os auspícios da Lei.
    Não há tramóia nem esperteza nisso. Precisamos desmitificar essa idéia! Quem mais tem ciência de que o insider trading é de “forte potencial ofensivo” é o próprio regulador. Como eu disse antes (na minha primeira manifestação), não creio que interesse ao regulador e tampouco aos regulados andar por esses caminhos tortuosos. Senão, veja o que diz o regulador sobre a reprovabilidade do insider: “Cabe notar que o chamado "insider" ao negociar (de posse de uma informação) em detrimento de outrem (sem informação), obtendo lucro na negociação com certeza e tranqüilidade, pratica uma das mais deletérias modalidades de fraude no mercado de valores mobiliários”.
    Este trecho da decisão está disponível no site da CVM, no processo da Sadia, julgado em 26.02.08. É só ir lá e conferir, porque os votos são públicos. Então, vamos desmitificar também essa coisa de que não se considera o maior potencial ofensivo do insider. A meu ver, a maior reprovabilidade é considerada sim, tanto que a conduta foi criminalizada. Logo, se o regulado quer propor um TC e já teve a sua conduta informada ao MPF, sabe que estará condicionado (pelo requisito da Lei) a indenizar os prejuízos ao mercado, incluído nisso o dano que a prática ofensiva causa à credibilidade do mercado, sendo que, pelos precedentes nos casos em que houve celebração de acordo versando sobre insider, não há chance de a proposta ser aceita se não indenizar em 2 vezes o lucro auferido/perda evitada no processo administrativo, e mais 2 vezes o lucro auferido/perda evitada no processo criminal.
    (CONTINUA)

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  3. (CONTINUAÇÃO 2)
    Com isso, o proponente acaba compelido a pagar um total de 4 vezes o lucro auferido/perda evitada em decorrência da prática que está sendo apurada, se quiser encerrar o processo mediante acordo. E para onde vai o dinheiro? Para a CVM? Não. A autarquia, sabe-se, só pode gastar o que estiver aprovado no orçamento da União, então o excedente é destinado ao Tesouro. Onde está a “negociata” aqui? Qual seria a motivação para fazê-la? Por isso eu afirmo achar precipitada qualquer conclusão que leve a uma interpretação que seja tendente a atacar ou a retirar a credibilidade desse instituto e das partes celebrantes dos TCs (proponentes e regulador). Até porque, na grande maioria dos casos, os TCs se destinam a indenizar as vítimas dos ilícitos administrativos em tese praticados. Quer dizer, o valor financeiro indeniza a vítima diretamente, ao passo que um julgamento, em caso de haver condenação (lembro que estamos sempre falando meramente de possibilidades nesta seara), o valor da multa aplicada não seria revertido para a vítima, mas para o Erário.
    Resumindo, acho os TCs: a) mais céleres em termos de solução do processo e da mensagem educativa que pode ser passada ao mercado por meio de sua utilização, b) são um mecanismo mais eficiente de atuação para o Poder Público (que não está autorizado a entrar na questão de mérito na análise da proposta), na medida em que apenas requer que seja verificado o cumprimento dos requisitos da Lei (cessação da prática que em tese é considerada irregular e correção das irregularidades apontadas, indenizando as vítimas), c) dispõem de uma transparência salutar na fundamentação do que foi considerado conveniente e oportuno, da análise acerca da reprovabilidade da conduta em tese, bem como do cálculo dos montantes compromissados, e d) permitem aos regulados (investidores e homens de negócios) considerarem corretamente os riscos de uma condenação ou de um acordo, diante da presunção legal de sua inocência e não-culpabilidade, mas sopesando um cenário regulatório de crescente complexidade, o ambiente profissional de suas atividades (e também as conseqüências que lhes tocam a reputação ou a administração de seus negócios), o nível de prova exigido para formulação da acusação (“onus probandi” ou “burden of proof”) versus as garantias e direitos que possui para exercer os mecanismos de defesa característicos do processo sancionador e do estágio atual de desenvolvimento do Direito Administrativo Sancionador no Brasil.
    Mais uma vez...
    Grande abraço,
    Fábio Galvão
    (Advogado)

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  4. Prezado Fábio,
    Mais uma vez agradeço os seus comentários. E diante das sua ponderações reforço a minha convicção de que os TCs representam uma importante ferramenta para o mercado de capitais. E no embalo do debate em torno da postagem de ontem e do dia 15/5, uma leitora amiga me alertou que o regulador havia recusado, recentemente, uma proposta de Termo de Compromisso em processo que envolvia insider trading. Devo confessar que fiquei mais feliz do que no dia que o time reserva do Botafogo derrotou o time da Gávea (isso ocorreu em 1997 com gol do meu xará Renato). Mas a alegria (de agora) durou muito pouco. Isso porque os dois processos que localizei (isso mesmo foram duas “recusas” recentes: proc. RJ2009/5327 e RJ2010/16049) tratam de situações onde as propostas foram recusadas não porque o regulador entendeu que se tratava de uma infração grave e que, por conta disso, estaria prevalecendo o disposto no art. 9º da Deliberação CVM nº 390 (que diz: “A proposta de celebração de termo de compromisso, acompanhada do parecer do Comitê de Termo de Compromisso, será submetida à deliberação do Colegiado, que considerará, no seu exame, a oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo”). Foram recusadas somente porque os valores propostos estavam muito abaixo dos ganhos auferidos.... Vejamos alguns trechos extraídos dos Pareceres do Comitê de Termo de Compromisso (são documentos públicos – os nomes foram omitidos para evitar problemas com advogados... sabe lá alguém resolve tentar tirar o Blog do ar):
    • Proc. RJ2009/5327: “20. Segundo exposto, a EMPRESA ACUSADA/CONTROLADORA teria obtido lucro potencial de R$ 12.451.684,00, considerado o dia em que se encerrou a assimetria informacional. Considerada a mesma metodologia de cálculo, o Sr. CONSELHEIRO ACUSADO teria obtido lucro potencial de R$ 785.000,00. No entender do Comitê, a análise da conveniência e oportunidade na celebração do Termo de Compromisso no caso concreto não deve ser de todo desvinculada do ganho potencial auferido pelos proponentes que, segundo explicitado acima, afigura-se bastante expressivo e muito distante das propostas apresentadas.” (Obs. do Blog: os valores propostos foram de R$ 200 mil por cada um dos acusados);
    • Proc. RJ2010/16049: “27. Nos termos da peça acusatória, o proponente teria obtido ganho da ordem de R$1.391 mil ao negociar com valores mobiliários de emissão da EMPRESA A e da EMPRESA B de posse de informação ainda não divulgada ao mercado. Segundo orientação do Colegiado, a obrigação assumida em Termo de Compromisso deve ser proporcional à gravidade dos fatos e, consequentemente, apta a inibir a prática de infrações assemelhadas pelos proponentes e por terceiros em situação similar à daqueles. Nessa linha, decisões proferidas pelo Colegiado em casos com características essenciais semelhantes àquelas contidas no caso concreto apontam para a assunção de obrigação pecuniária equivalente a, no mínimo, o dobro do ganho auferido com as operações tidas como irregulares.” (Obs. do Blog: o valor proposto foi de R$ 200 mil – parece valor de proposta padronizada pelos escritórios de advocacia !!!).
    (CONTINUA)

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  5. (CONTINUAÇÃO)
    Podemos concluir que a grande preocupação do órgão regulador é de ponderar o valor a ser recolhido aos cofres públicos com os ganhos auferidos pelos acusados. Nota-se que não existe qualquer dúvida quanto à materialidade da ação ilícita, o que resta comprovado pela capacidade de mensuração do ganho na última casa inteira da nossa unidade monetária.... R$ 12.451.68e quatro,00 (desculpem o grifo escandaloso). Vá ser preciso na quantificação de uma ilicitude lá na barraca do Gonzalez no Posto 9 !!! Fica a certeza de que, se os acusados do 1º caso citado houvessem proposto valores de “aproximadamente” R$ 24.903.368,00 e R$ 1.570.000,00 (o dobro dos ganhos auferidos) o processo teria sido arquivado, sem confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada no processo que lhe tenha dado origem.
    Resumindo, a análise do regulador gravita em torno de valores financeiros. Não se trata de ter ou não espaço para negociar valores financeiros. Caso fossem considerados valores morais, todas as propostas de Termos de Compromissos dos acusados de insider trading seriam recusadas sem maiores delongas, pois o delito é uma afronta ao Dever de Lealdade (tá na Lei...), e falta de lealdade de administrador não se discute, se pune com inabilitação e multa. Em tempo: até onde pude apurar Julian Rifat (ex-operador da Moore Capital), Raj Rajaratnam (fundador do bilionário Galleon Group) e Igor Poteroba (ex-executivo de banco de investimento do UBS) continuam presos por atuarem como insiders. E nem tiveram a oportunidade de tentar negociar um termo de compromisso.

    Abraços a todos,
    Renato Chaves

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  6. Caro Dr. Fábio Galvão,

    Permita-me dizer que não tive a intenção de ser espirituoso. Pelo contrário. Ao rotular os textos como "duelo de titãs", procurei apenas evidenciar o valor intelectual dos ilustres debatedores, valendo-me do sentido figurado registrado em dicionários da língua pátria (Pessoa de grande envergadura intelectual, moral ou física).
    As novas postagens parecem reforçar o meu entendimento. Particularmente, acho muito interessante ver pessoas inteligentes, como Vocês, trocando impressões com tanta maestria e, até certo ponto, defendendo teses antagônicas.
    Mesmo assim, a minha dúvida persiste. Não sei com quem está a razão!
    Aliás, quanto mais procuro aprender, mais dúvidas me assaltam.
    Sem querer oferender ninguém, até porque não é do meu estilo, muito menos a quem nos ensina coisas novas e boas,agora vai um pitada de espirituosidade (pra relax mesmo) com uma frase lapidar do saudoso cronista social carioca Ibrain Sued: Os cães ladram e caravana passa.
    (Cães: estudiosos, pesquisadores; caravana maus agentes do mercado, como os insiders).
    Grande abraço a ambos e renovados parabéns pelos excelentes textos produzidos.
    Wilton Daher

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  7. Caro Daher,

    Obrigado pelas palavras, mas o mérito de ter trazido o tema à discussão é todo do Renato Chaves. Minha menção à expressão que você cunho como "duelo de titãs" foi apenas no sentido de esclarecer que se trata de simples confronte de idéias, mas a amizade com o Renato já vem desde 2003.

    Quero aproveitar a oportunidade para lembrar que em 18/02/2011, ou seja, há poucos meses, foi proferida a primeira sentença penal condenatória por "insider trading" do Brasil. Confira, por favor, no link abaixo:

    http://www.cvm.gov.br/port/infos/MPF%20e%20CVM%20obt%C3%AAm%20a%20primeira%20senten%C3%A7a%20penal%20condenat%C3%B3ria%20por%20insider%20trading%20do%20Brasil%20-%20esbo%C3%A7o%20ASC.asp

    Sem querer emitir juízo de valor sobre o caso específico, isso comprova que o que está sendo praticado em terras tupiniquins com relação à reprovabilidade da conduta do "insider" não difere muito do que foi mencionado sobre a jurisdição estadunidense.

    Creio que a visão do regulador de valores, do Parquet Federal e dos advogados que militam na área é consentânea com a evolução do Direito Administrativo Sancionador no Brasil e suas repercussões criminais, para as condutas tipificadas como crime em tese. Mas cada qual atua nas suas funções legais e defendendo os legítimos interesses das partes envolvidas.

    O que não pode haver, e me preocupa bastante, é nenhum tipo de desestímulo ao uso dos TCs. Tampouco pode haver embargo a direitos e garantias dos regulados que não decorra da Lei, porque o Princípio da Legalidade é a base do Estado Democrático de Direito.

    "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". É o que diz a Constituição de 1988, no inciso II do art. 5º.

    Oxalá não enveredemos por caminhos diversos daquele que instituiu o primado da lei, pois outrora conhecemos todos os efeitos maléficos dos anos de ferro.

    Admito que se diga que as penas aplicadas nesta primeira condenação foram inferiores a 2 anos, e que possam, então, ser convertidas em penas alternativas. Mas não podemos, sobre o pretexto de corrigir anomalias do nosso mercado, provocar situações ainda mais angustiantes, tolerando o desrespeito à lei, que nós cidadãos livres tanto prezamos.

    Saudações,

    Fábio Galvão

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  8. (CORRIGINDO ALGUNS ERROS DA DIGITAÇÃO RÁPIDA)

    Caro Daher,

    Obrigado pelas palavras, mas o mérito de ter trazido o tema à discussão é todo do Renato Chaves. Minha menção à expressão que você cunhou como "duelo de titãs" foi apenas no sentido de esclarecer que se trata de simples confronto de idéias, mas a amizade com o Renato já vem desde 2003.

    Quero aproveitar a oportunidade para lembrar que em 18/02/2011, ou seja, há poucos meses, foi proferida a primeira sentença penal condenatória por "insider trading" do Brasil. Confira, por favor, no link abaixo:

    http://www.cvm.gov.br/port/infos/MPF%20e%20CVM%20obt%C3%AAm%20a%20primeira%20senten%C3%A7a%20penal%20condenat%C3%B3ria%20por%20insider%20trading%20do%20Brasil%20-%20esbo%C3%A7o%20ASC.asp

    Sem querer emitir juízo de valor sobre o caso específico, isso comprova que o que está sendo praticado em terras tupiniquins com relação à reprovabilidade da conduta do "insider" não difere muito do que foi mencionado sobre a jurisdição estadunidense.

    Creio que a visão do regulador de valores, do Parquet Federal e dos advogados que militam na área é consentânea com a evolução do Direito Administrativo Sancionador no Brasil e suas repercussões criminais, para as condutas tipificadas como crime em tese. Mas cada qual atua nas suas funções legais e defendendo os legítimos interesses das partes envolvidas.

    O que não pode haver, e me preocupa bastante, é nenhum tipo de desestímulo ao uso dos TCs. Tampouco pode haver embargo a direitos e garantias dos regulados que não decorra da Lei, porque o Princípio da Legalidade é a base do Estado Democrático de Direito.

    "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". É o que diz a Constituição de 1988, no inciso II do art. 5º.

    Oxalá não enveredemos por caminhos diversos daquele que instituiu o primado da lei, pois outrora conhecemos todos os efeitos maléficos dos anos de ferro.

    Admito que se diga que as penas aplicadas nesta primeira condenação foram inferiores a 2 anos, e que possam, então, ser convertidas em penas alternativas. Mas não podemos, sobre o pretexto de corrigir anomalias do nosso mercado, provocar situações ainda mais angustiantes, tolerando o desrespeito à lei, que nós cidadãos livres tanto prezamos.

    Saudações,

    Fábio Galvão

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