O “Conto do 3º quartil”: será que existe alinhamento entre investidores e executivos quando o assunto é remuneração?
Imagino que a postagem de hoje não vá agradar a todos os visitantes do Blog, mas boa parte dos conselheiros de administração, especialmente aqueles que participam de comitês de assessoramento de remuneração/RH/sucessão, já se depararam com um estudo de posicionamento da remuneração dos executivos em relação a um universo comparável de empresas. Tais estudos, em 99,99% dos casos, afirmam que a empresa está situada no 3º quartil (em mais de 15 anos tratando do tema em conselhos e comitês NUNCA vi um estudo que posicionasse uma empresa no 4º quartil !!! Se alguém já viu me avisa correndo, prometo guardar o sigilo da fonte), o que representaria um risco potencial de perda de executivos (os insubstituíveis...). Solução apresentada para a correção desse “perigoso desvio”: “redesenhar” o pacote de remuneração, seja pela aplicação de um reajuste no salário fixo mensal superior ao que foi acordado contratualmente, ou pela criação de outras formas de incentivo, como bônus em ações ou ILP (incentivo de longo prazo) ou ainda pelo simples incremento do número de salários pagos no bônus anual (essa é a alternativa campeã de audiência). Alguns chegam a sugerir mais de 20 salários extras de bônus anual (lembrando que os salários fixos já são “turbinados”!!!!). Parece piada, se não existisse um enorme conflito de interesse, pois quem contrata a pesquisa é o maior interessado em “ajustar” a curva: o próprio executivo (fato curioso: eles sempre contratam “aquela” empresa da sopa de letrinhas, como se fosse a única do mercado.... qual será a razão?).
Ainda que alguns institutos e associações tenham defendido a idéia de que a divulgação da remuneração no formato imposto pela Instrução CVM 480 serviria tão somente para satisfazer a mera
curiosidade de alguns poucos investidores, com enormes riscos para a segurança dos executivos, a transparência permitirá a análise de eventuais discrepâncias internas (existem os chamados super-conselheiros mas isso é assunto para outra postagem) e a comparação real com o mercado, sem filtros ou “ajustes” da base de empresas comparáveis, para que os conselheiros não caiam no rocambolesco “Conto do 3º quartil”.
O sentimento de que a remuneração de executivos no Brasil está “esticada” é real. Para reforçar este sentimento, basta fazer a seguinte conta: a relação do bônus anual dos executivos (somente o variável....) com o lucro líquido do exercício. Em várias situações estamos criando uma nova “classe” de sócios nas empresas, novos milionários que recebem na forma de bônus quase 15% do lucro líquido; nada mal, quando comparado aos minguados 25% que são usualmente distribuídos para os acionistas. E não existem super-homens, capazes de trabalhar 30 horas por dia para dobrar o faturamento/lucro. A diferenciação da remuneração das lideranças é importante, reconhece a experiência desses executivos e ajuda a retê-los, mas se for exagerada pode desestimular os demais gestores ou pior, estimular a ganância e discórdia na corporação. Isso porque fica a impressão de que o “pessoal de cima” é motivado por remuneração, enquanto que a turma que mete a mão na massa, gerenciando equipes de 50/70 empregados, é estimulada somente com o status do cargo (carro, secretária, cartão corporativo e mimos eletrônicos), além da suposta garantia de emprego e perspectiva de ascensão profissional.
À luz da análise fria de alguns números expostos nos Formulários de Referência de 2010, me atrevo a afirmar que a liminar contra a divulgação das informações sobre remuneração da Instrução CVM 480 não tem como objetivo proteger executivos de potenciais seqüestradores profissionais (“aqueles” que fazem parte do seleto grupo de leitores compulsivos de formulários de referência e atas de assembleias) ou de ex-esposas rabugentas, vingativas e ávidas por gordas pensões; a única razão é tornar mais nebulosa a discussão em torno da remuneração de executivos no Brasil.
No mais, fica a impressão de que todo CEO gostaria de trocar o terno e gravata por um agasalho de técnico do Palmeiras para conversar sobre remuneração com os investidores.
Prezado Renato. Gostei demais desse seu artigo. Realmente estamos permitindo que algumas majestades ganhem muito enquanto a maioria dos vassalos na empresa ganhe pouco, inclusive os investidores. É a repetição da mesma linha de conduta das empresas americanas.
ResponderExcluirCaro Renato, mais uma vez uma excelente reflexão, com o aumento de companhias sem controlador definido, aumenta o risco dos executivos ganharem mais do que os proprios "donos". Quanto melhor for a informação melhor estruturado será o nosso mercado de capitais.
ResponderExcluirMais uma vez Parabéns.
Caro Renato,
ResponderExcluirPrimeiramente, parabéns pelos temas levantados no Blog. Muito importante para evolução do nosso mercado.
Não caberia ai, uma participação maior dos próprios conselhos fiscais, denunciando e levantando a questão junto aos acionistas, particularmente, os não controladores? Afinal, essa é a sua função também.
Os componentes, tanto da Diretoria, quanto do Conselho de Administração, remunerados nos níveis que você aborda, jamais irão trazer a discussão do tema a público, visto que são diretamente, os maiores interessados em manter o status quo.
Prezados JES, Roberto Gonzalez e Ivan Castro,
ResponderExcluirComo bem dito por um amigo head hunter: trata-se de um conflito de interesse da "inflação inercial" da remuneração quando é olhada somente pela ótica de comparação com outras empresas/peer groups.
Mas não avalio que se trata de assunto para conselho fiscal, pois tais "reivindicações" são aprovadas formalmente pelos conselhos de administração, normalmente "aconselhados" pelos comitês de RH/remuneração. Ou seja, todos caem no "Conto do 3º Quartil".
Abraços,
Renato Chaves
Caro Renato Chaves,
ResponderExcluirVocê coloca com muita propriedade que: (i)Em várias situações estamos criando uma nova “classe” de sócios nas empresas, novos milionários que recebem na forma de bônus quase 15% do lucro líquido; nada mal, quando comparado aos minguados 25% que são usualmente distribuídos para os acionistas; (ii) E não existem super-homens, capazes de trabalhar 30 horas por dia para dobrar o faturamento/lucro".
A propósito, o Prof. Herbert Steinberg, ao focar os vícios (opções de ações/bonus) e soluções na remuneração das diretorias, no livro GOVERNANÇA CORPORATIVA - Conselhos que Perpetuam Empresas, cita Joel Stern, criador do EVA, ao se referir a um projeto de pesquisa da Universidade de Chicago e do MIT que "mostrou que 50% das flutuações no preço das ações são devido a mudanças no contexto global. (...) Outros 25% se devem às condições da indústria e apenas 25% às atividades da empresa. Então, se 75% do valor de uma ação é influenciado por questões externas à companhia e não pela qualidade da performance do management, por que você vai querer um instrumento tão pouco focado em desempenho?"
Sem dúvida, você levanta um tema conflituoso que exige dos agentes do mercado ampla reflexão e adoção de práticas sensatas para colocar as coisas nos seus devidos lugares.
A parcimonia do "modelar" senhor Warren Buffett, ao ter remuneração anual de U$ 100 mil, está longe de sensibilizar muitos operadores do mercado, aqui e alhueres.
Grande abraço e parabéns por mais um excelente post.
Grande abraço,
Wilton Daher