Será que os conselheiros independentes são realmente independentes?
A recente derrota da proposta da BM&FBovespa de aumento do percentual de conselheiros independentes nos conselhos de administração das empresas listadas nos segmentos especiais de listagem (de 20 para 30% no Nível 2 e Novo Mercado), além da atuação de conselheiros em alguns processos julgados pela CVM, nos fazem refletir sobre o próprio conceito de independência e as possíveis leituras do mercado sobre a efetiva independência dessa categoria de conselheiro.
Feita a constatação de que a regra atual que “garante” a independência do candidato ao cargo de conselheiro independente é facilmente atendida, surge uma dúvida sobre a forma de escolha desses nomes. Na prática os independentes têm sido escolhidos pela Administração das Cias., com aval dos controladores (quando o controle é definido), a partir de relacionamentos profissionais e/ou pessoais ou ainda recaindo a escolha sobre “figurões” (ex-diretores do Banco Central/CVM, ex-ministros ou executivos aposentados), o que torna esses conselheiros passíveis de rotulação como “independentes de confiança”, verdadeiros amigos da Administração. Outro dia presenciei uma conversa onde um “independente” combinava um passeio de barco com o CEO no Guarujá: eram vizinhos de condomínio....
Outro fator que merece uma análise mais apurada diz respeito à remuneração desses conselheiros. Por serem pessoas “famosas”, quase sempre a remuneração oferecida para atrair tais “celebridades” são diferenciadas, superiores às dos demais conselheiros. Isso reforça o sentimento de dúvida sobre a real disposição que um “conselheiro-estrela” terá de adotar uma postura conflituosa ou contestadora, sabedor de que um eventual conflito poderá resultar na perda de uma bela complementação no seu orçamento mensal.
Sabedor da dificuldade de se definir o valor que reflita uma remuneração justa, compatível com os deveres de um conselheiro e o grau de dedicação, sem que se crie uma dependência financeira, resta o desafio de aperfeiçoar a regra de escolha desses conselheiros. Tal aperfeiçoamento aumentaria a percepção do mercado de que conselheiro independente adotará a postura de opinar sempre, fiscalizar com rigor e divergir quando necessário. Sob esta ótica quanto mais transparente for o processo de escolha melhor para a Cia.; o que importa é de onde “nasce” o nome do candidato. Pois, como diz o ditado popular, jabuti não sobre em árvore, se está lá foi gente ou foi enchente.
No mundo perfeito (ou quase), os candidatos poderiam ser apresentados para a assembleia de acionistas por qualquer investidor ou grupo de investidores que possuíssem um percentual relevante do capital (5% por exemplo) e a decisão seria tomada sem o voto do acionista controlador. No caso de impossibilidade de união deste percentual de investidores a assembleia escolheria o independente a partir de uma lista apresentada por uma consultoria especializada em seleção de executivos (os chamados head hunters). Outro artifício que contribuiria para reforçar essa independência seria a limitação no número de mandatos, reduzindo assim o risco de uma eventual acomodação ou criação de estreitos vínculos de amizade com controladores e Administradores: 4 anos na mesma Cia. parece um prazo razoável. Quanto à remuneração, diante da transparência oferecida pela nova Instrução CVM 480, fica a reflexão para que investidores questionem os eventuais abusos e busquem uma remuneração justa que garanta o alinhamento entre o conselho e seus investidores, sem criar dependência financeira.
Beleza de comentário, Renato. Não consigo compreender que há conselhos onde alguns membros tenham remuneração diferenciada, considerando que todos eles perante a lei (art. 153 a 155 da Lei 6.404/76), e no exercício de suas funções, têm os mesmos deveres e responsabilidades, principalmente o “Dever de Diligência” e o “Dever de Lealdade” à empresa. Infelizmente, estamos longe de avançar nesse aspecto, o que compromete a aplicação prática dos postulados da Governança Corporativa. Paulo Conte Vasconcelos, sócio da ProxyCon, coloca com muita clareza cinco regrinhas básicas para ser um conselheiro independente: (i) preocupação com a reputação; (ii) comprometimento com a função; (iii) ter mente investigativa; (iv) manter a distância certa em relação a executivos e controladores; e (v) estar preparado para sair a qualquer momento. No mais, caro Renato, é agir com ativismo. A sustentabilidade da empresa é mais importante do que o “conforto” de qualquer um dos seus agentes.
ResponderExcluirAbraços e parabéns pelo texto.
Wilton Daher
Acabo de iniciar a leitura de um livro do RAM CHARAM: Reinventando a Governança Corporativa. Fantástico. Neste livro ele coloca questões fundamentais para o desempenho do Conselho. São elas:
ResponderExcluir1.a composição do conselho é adequada para o desafio ?
2.estamos lidando com riscos capazes de conduzir nossa empresa ao abismo ?
3.stamos preparados para fazer bem nosso trabalho quando a crise irromper ?
4.estamos bem preparados para nomear nosso próximo CEO ?
5.nosso conselho realmente se responsabiliza pela estratégia da empresa ?
6.como podemos obter as informações das quais precisamos para governar bem ?
7.nosso comitê de governança é o melhor do mercado ?
8.como podemos extrair o maior valor possível de nosso tempo limitado ?
9.como a autoavaliação de nosso conselho pode melhorar a nossa atuação e nossos resultados ?
10.como podemos evitar o microgerenciamento ?
11.estamos preparados para trabalhar com acionistas ativistas e seus representantes ?
Daí as minhas dúvidas: (1)o caminho para resolver estas questões passa por 20% ou 30% de conselheiros independentes ? A independência garante a maior eficiência e eficácia para responder as questões acima ? PRECISAMOS PESQUISAR, ANALISAR, DISCUTIR MAIS O ASSUNTO.
Armando de Santi Filho
Prezados Wilton e Armando,
ResponderExcluirRealmente o tema está ganhando importância nos fóruns de discussão sobre GC. Tive a oportunidade de presenciar isso na recente Mesa Redonda sobre GC na América Latina, promovida pela OECD aqui no Rio. E quanto ao livro do Ram Charam, o tratamento do tema "avaliação de conselhos" é o melhor que já vi. Um forte abraço.
Prezado Renato,
ResponderExcluirTomei a liberdade de replicar seu post no Twitter, muita boa a matéria.
Abraço
Denys Roman
www.twitter.com/assembleias
Oi, Renato
ResponderExcluirJá tínhamos conversado sobre essa escolha do conselheiro independente. Acho que funcionaria bem se fosse ao contrário do que vc disse. Que os minoritários representando x% (esse percentual vai depender do tamanho e pulverizado do K), apresentassem uma lísta tríplice na AGO e a maioria do capital pinça o independente desta lista.
Acho que isso garantiria tudo aquelas características que o Paulo Vasconcelos diz que o independente deveria ter.
Ah, sobre as remunerações diferenciadas.....existe uma famosa grande empresa que não paga praticamente nada aos conselheiros (tipo R$600) porque só tem praticamente membros da família no CA e eles alegam não querer remunerar a família pelo CA e sim apenas pelos dividendos.....nesse caso aí eu bem que tentei emplacar um conselheiro profissional com remuneração diferenciada (nesse caso diferenciada = decente). Acabei conseguindo eleger essa pessoa independente, mas coitada, não recebia nada mesmo e passou lá 2 anos numa contestação só!
Parabéns! Excelente artigo!
Bjs
Isabella Saboya
Oi Isabella,
ResponderExcluirAvalio que a sua sugestão de escolha do independente também funciona muito bem. Só me preocupa a eventual dificuldade de seleção de 3 nomes. Às vezes o investidor tem dificuldade de indicar um único nome, pois dependendo da Cia, os profissionais ficam com "um pé atrás". Mas a lógica é quebrar o poder discricionário do controlador/grupo majoritário, de sempre escolher um "independente-amigo".
Obrigado pelo comentário.
Abs, Renato Chaves
Caro Renato, excelente artigo ! Achei muito interessante o termo "Independente de confiança" pois retrata bem o que acontece no mercado brasileiro. Acho que o problema essencial é que na nossa cultura o controlador da empresa não gosta de ser contestado, e toma qualquer discordância como ameaça ou ofensa. Em várias outras culturas que convivi, como USA, Inglaterra e Holanda, discordar não é ofensa, muito pelo contrário. Acho mesmo que o valor do independente é o de trazer visões novas e perspectivas diferentes, e que o bom debate que se segue leva a melhores decisões, tudo em benefício do próprio controlador. Sou testemunha de os tais "independentes de confiança" não falarem tudo que pensam para não desagradar o controlador que os convidou, e quem sofre é a própria empresa, pois alguns problemas são "varridos para debaixo do tapete". Enquanto não houver uma mudança de mentalidade, incentivando o debate franco, aberto e direto, mas sempre leal, não faremos progresso neste importante tema. Concordo com você - recrutar de forma isenta os conselheiros independentes ajuda a transformar o Conselho de "clube dos amigos do controlador" em um instrumento mais eficaz de governança.
ResponderExcluirGrande abraço,
Guilherme Dale