Congresso do IBGC (1ª parte): o conselho de administração deve conversar reservadamente com investidores?

Semana agitada, com prisão de banqueiro (sem comemorações por favor que desta vez não foi o baiano) e muitas notícias quentes. Mas vamos tratar do Congresso do nosso querido IBGC. Casa cheia e organização impecável (registro 00: levei 3 topadas no joelho “astroscopado” por conta da ínfima distância entre as poltronas, mas tudo bem, acho que era uma tática para literalmente prender a audiência).

Registro 1: mais uma vez os ativistas-paraquedistas (defensores dos fracos e oprimidos) não deram as caras – falta de tempo ou de interesse no debate? Poucos acadêmicos também...

Registro 2: ninguém aguenta mais essa conversa de quota para mulheres em conselhos de administração.... Já deu o que tinha que dar. Tá parecendo coluna do porra-louca do Jabor sobre novela das 8. Diversidade é garantir que os conselheiros “independentes” não sejam escolhidos “a dedo” pelos controladores ou pelo CEO (isso no caso das empresas “sem dono”). E não aparece um “ativista” para falar de igualdade em salários e oportunidades em cargos gerenciais!!! Algum abrilhantado acadêmico já mensurou o número de CEOs e diretoras estatutárias nas empresas listadas (não vale contar com as diretoras de RH)?

Registro 3: causou burburinho no cafezinho a infeliz afirmação de um ilustre advogado que conselho fiscal virou algo ocasional, que saiu da lupa da CVM e perdeu relevância. Que tal lembrar a iniciativa de denunciar o desvio de R$ 167 milhões de 3 empresas listadas para irrigação do Valerioduto entre 1999 e 2005? E os “n” casos de discordância na manifestação sobre demonstrações financeiras que resultaram em ordens de republicação pela CVM? Uso indevido de recursos de empresa listada pelo controlador? Mas isso é papo para uma postagem exclusiva, afinal sou defensor xiita da bandeira “conselho fiscal/transparência total”.

Registro 4: a ideia de elitizar o acesso aos estádios de futebol como fez a liga inglesa, cobrando ingressos caríssimos para coibir a violência das torcidas, é simplesmente risível. Confesso que não entendi se era uma opinião ou somente um balão de ensaio... Só quem nunca assistiu um jogo na geral do “Maraca” ou na altura da coluna 21 com os tradicionalistas da maravilhosa torcida alvinegra pode proferir tal blasfêmia. Detalhe que a turma elegante e perfumada da CBF não sabe (eles só assistem jogo em camarote com cálice de Veuve Clicquot na mão): ninguém fica passivamente sentado nas arquibancadas nas chamadas arenas, a não ser em um jogo entre o Íbis (PE) e o Maga (SC). Isso só deve funcionar na terra da Rainha... Quer deixar os meliantes do lado de fora? Basta implantar o cadastramento e controle eletrônico na compra e acesso aos estádios: todos sabem que tem gente que se mostrar o RG na roleta vai direto para Bangu 8, fazer companhia ao já folclórico “mequetrefe-mor de Copacabana”...

Registro 5: a manifestação da seleta audiência, em resposta à pergunta interativa formulada durante o painel que tratou dos “Novos desafios para os Conselhos de Administração”, foi contundente: a comunicação empresa-investidor deve ser feita exclusivamente pela área de RI. Ou seja, nada de conversinha privada (ou seria conversinha fiada?) de investidores com os conselheiros de administração. A manifestação não agradou os painelistas, mas como a plateia não tinha acesso ao microfone o debate ficou prejudicado. E eu me alinho com a opinião da maioria dos congressistas pelas seguintes razões:
- Vamos imaginar como seria um canal permanente de comunicação entre investidores e conselheiros de administração....
·         Quais conselheiros poderão falar com os investidores? Somente o presidente do Conselho? Somente os "independentes"? Mas qual “independente” – o indicado pelo amigo CEO/controlador ou o eleito pelos minoritários? Conversas separadas entre “classes” de conselheiros para pegar contradições? O advogado da Cia (ou um ex-diretor da CVM com remuneração nababesca) vai acompanhar as conversas para avaliar potenciais riscos – uma conversa direcionada e devidamente monitorada? As perguntas serão encaminhadas com antecedência para reduzir o risco, como as empresas fazem com jornalistas quando têm medo?
·         Todo investidor que solicitar uma "audiência" será atendido? O fundo de pensão dos lenhadores do Estado de Utah (deve existir um pelo menos parecido), formador de opinião no mercado norte-americano, terá prioridade sobre o Sr. José da Silva, morador da pacata Aiuruoca (MG) que foi convencido pelo gerente do banco a comprar um pequeno lote de ações na oferta pública? Será criada uma regra, como percentual mínimo no capital, para agendamento da audiência? Considerando que o “seu Zé” não tem dinheiro para viajar até a Av. Faria Lima, somente os investidores ricos irão participar das tais audiências privadas (ou seriam privativas)? Quem paga o almoço se o local escolhido for o Figueira Rubaiyat ou o Fasano? Ou o conselho sairá em caravana pelas capitais do nosso Brasil para conversar com TODOS os investidores privadamente?
·         Vamos criar a figura legal do “acionista de referência”? E esse tipo de acionista vai ficar sujeito a restrições de negociação por participar de conversas secretas (se a CVM resolver criar essa figura vou sugerir de molecagem na audiência pública 15 dias de bloqueio depois de cada conversinha...)?
·         As conversas serão gravadas e disponibilizadas no site da Cia., para evitar assimetria de informações? Quem sabe contratar um taquígrafo com experiência na assessoria do senador Bigode para disponibilizar um arquivo de texto?
·         Resumindo em um português nada culto: como essa zona será organizada?

Sejamos razoáveis e não sejamos ingênuos: o que leva o investidor a querer uma conversa privada com conselheiros? Ele quer saber algo diferente, que não foi dito na reunião Apimec ou na AGO para aumentar ou reduzir sua participação? Ou quer somente avaliar o conselho, que por sinal não realiza qualquer tipo de avaliação – e se realiza não divulga ao grande público?

Sei que os ativistas-paraquedistas vão me acusar de ser contra a transparência, mas minha posição é extremista a favor da transparência. Também não sou purista: o contato da empresa com acionistas relevantes é normal e serve como um termômetro do mercado. Mas para isso existe uma figura com responsabilidades bem definidas na legislação – é o diretor de relações com investidores, vulgo DRI, figura por vezes injustiçada que responde, com o dele na reta, pelo relacionamento com os investidores. Mas como fazer para fugir desse falso dilema?
·         Se o investidor quer perguntar algo ao Conselho que faça por escrito, por meio de um canal transparente – a empresa deve criar um canal/chat com perguntas e respostas disponibilizadas no site da Cia., na forma apresentada no item 12.2.g do sublime Formulário de Referência (em tempo: toma vergonha na cara Judiciário – abaixo a famigerada Liminar do processo 2010.02.01.002742-8 – transparência já !!!);
·         Os conselheiros (ou pelo menos o presidente do conselho) devem perder o medo e comparecer nas assembleias e reuniões públicas com investidores/analistas - coisa rara no Brasil;
·         Quer influenciar as decisões do conselho/mudar a estratégia da Cia? Segue a recomendação do guru Bob Monks: aglutina participação e elege conselheiros para promover mudanças....
·         Quer conhecer melhor a empresa? Utiliza o famoso, mas pouco utilizado aplicativo TBC (tirando a bunda da cadeira); gasta sola de sapato e marca uma visita para conhecer o negócio, o chão de fábrica. É bem mais produtivo que visitar o nababesco escritório na Faria Lima para ouvir um bando de conselheiros amedrontados e protegidos por ilustres e caros advogados (que certamente vão cobrar a assessoria com taxímetro em bandeira 2).

Tá bom assim ou alguém tem medo da transparência total? Deve ser uma questão cultural, pois parece que brasileiro adora uma prática palaciana, de conversa de bastidores, de despacho regimental com potencial para obtenção de informações privilegiadas.

Registro final: definitivamente o guru não estava inspirado, faltou a chamada presença de palco. Só me resta cantarolar Raul: “confesso abestalhado que eu estou decepcionado”. E compartilhar a minha decepção com o farmacêutico/poeta Drummond no embalo de uma corrida matinal.
Abraços a todos e uma boa semana,
Renato Chaves

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