Termos de compromisso: um incentivo à malandragem.


Queridos leitores, estou indignado. E não é com a cambaleante campanha do glorioso Botafogo no campeonato carioca, mas sim com mais um termo de compromisso milionário firmado pela CVM.

O hábito de murmurar tímidos protestos, como preconizado por Drummond, vem bem antes de lançar o Blog em 2010. E infelizmente parece que o artigo que escrevi para o jornal Valor nos idos de 2007 continua atualíssimo: a “Lei de Gérson” ainda prevalece no nosso mercado de capitais.

Para quem tem menos de 40 anos vale esclarecer que não se trata de uma “lei”, mas sim um “conceito” popular nascido a partir de uma propaganda do cigarro Vila Rica, protagonizado pelo jogador de futebol Gérson, o “canhotinha de ouro” que brilhou na seleção brasileira e no meu querido Botafogo (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=12ByfhwzLzA). Ele dizia: “gosto de levar vantagem em tudo, certo?”. O Gérson sempre foi um cara íntegro, exemplo como cidadão e jogador, mas foi infeliz ao veicular sua imagem de atleta famoso na horrenda campanha do cigarro. E parece que o conceito agradou fumantes e não fumantes, gregos e goianos, caiu na boca do povo e o “levar vantagem em tudo” não ficou mais restrito ao “andar de cima”. Será que isso tem reflexos até hoje? Não sei avaliar... Deixemos isso para filósofos e antropólogos. Mas hoje em dia seria impensável um jogador de futebol fumando cigarros, vinculando sua imagem a um produto cancerígeno: leve vantagem em tudo, com direito a câncer de laringe, boca, esôfago, estômago, etc, etc, etc ... (me desculpem a falta de lirismo na propaganda antitabagista – odeio cigarro).

Pois bem, um recente acordo firmado pela CVM é um verdadeiro tapa na cara do mercado de capitais: fez falcatrua para levar vantagem em tudo? Tudo bem, é só propor um termo de compromisso (R$ 550 mil), e mesmo com a identificação de impedimento jurídico tentar de novo, fazer nova proposta de R$ 2 milhões para empurrar o processo para debaixo do tapete, sem confissão de culpa, e ficar livre para atuar no mercado....

Fico imaginando a área técnica da CVM, ciosa e competentíssima na formulação das acusações (palmas, palmas e mais palmas !!!), vendo essa turma de trambiqueiros rindo no auditório do 34º andar da Rua Sete de Setembro 111. Puro desgosto, capaz de acabar com a 3ª feira de qualquer morador de Copacabana.

Tristeza de um lado, alegria do outro. Advogados agradecem, pois não vão ficar anos e anos discutindo na justiça sem ver a cor dos vultosos honorários. O pessoal de Brasília sorri de orelha a orelha, já que os tostões negociados no acordo vão direto para o caixa do Tesouro Nacional.

São controladores inescrupulosos, que usam e abusam do mercado há anos, como nós cidadãos usamos garrafas PET que vão parar nos fétidos Tietês da vida. Tudo com a ajuda de executivos iluminados e regiamente remunerados, além de talentosíssimos advogados, desses que atuam em escritório de 3 letrinhas (sempre presentes nas confusões societárias em nosso país).

A quantidade de condutas deletérias do processo assusta: (i) destinação irregular de resultados em detrimento da distribuição do dividendo mínimo obrigatório; (ii) constituição e utilização irregular da Reserva Estatutária e (iii) celebração de negócios estranhos ao objeto social da Companhia foram os “mal feitos” da vez dessa turma, velha conhecida do mercado (não é meu amigo MC?).

Pagamento do DARF? Nada que um mútuo entre empresas do grupo não resolva, né Chico? Algo imoral, mas bem usual pelas terras baianas.

Já estou “rouco” de tanto digitar: termo de compromisso não deve ser usado para infrações graves. Conduta deletéria tem que ser julgada e não empurrada pra debaixo do tapete. Termo de compromisso, conforme dita a lei, deve ser usado com observância da gravidade das infrações. Um exemplo da boa utilização da ferramenta pode ser visto nos julgamentos do dia 20/12: DRI que deixa de divulgar informação relevante... uma falha operacional, sem má fé.

O único “recado” que educa o mercado é a inabilitação, com multa !!

Por fim, se tem uma melodia que poderia servir de fundo musical para o nosso mercado é a enfadonha “Malandramente” que toca nas rádios “B” e em todas as festas de casamento (sim, sempre rola um funk depois que as tias dos noivos vão embora).

Mas eu prefiro ficar com Caetano e seu lirismo em “purificar o Subaé, mandar os malditos embora”. Ou melhor, purificar Camaçari.

Tec, tec, tec, enter, enter.... ficando “rouco” de tanto digitar tímidos protestos. Mas nada que gomas de gengibre não resolvam.

Abraços a todos,

Renato Chaves

Comentários

  1. Renato parabéns pelo blog. É uma voz um pouco solitária no mundo econômico mas que aos poucos vai sendo ouvida pelos investidores internautas e fazendo a diferença. Abraço!

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  2. Agradeço o comentário Giovani. Um incentivo para continuar com a "boa" batalha.
    Espero que as postagens sirvam para estimular o debate... e olho vivo nas assembleias de abril.
    Um abraço,
    Renato Chaves

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