A falta que faz um bom castigo: o caso Aracruz.

A solução burocrático-administrativa para um dos casos mais emblemáticos do mercado de capitais local, com a assinatura de mais um singelo “termin” de compromisso pelos administradores supostamente diligentes e probos que quebraram uma das empresas mais admiradas e premiadas do mercado, dá uma dimensão exata de como as leis em nosso País são interpretadas (ou seriam atropeladas???). Vale tudo, diria o acelerado Tim Maia.
Ao oferecer um salvo conduto para tais administradores, com ficha limpa para administrar outras empresas, o nosso regulador oferece uma sensação de conforto para todos os administradores de empresas listadas: façam aquilo que bem entendam que, por mais grave que sejam os seus delitos, tudo poderá ser resolvido por um “termin” de algumas merrecas (pergunta que não quer calar: o seguro D&O vai pagar????). Os incautos investidores da empresa serão ressarcidos diretamente? O Ministério Público não deveria proteger a economia popular? Pode Termo de Ajustamento de Conduta para crimes como assassinato Ronaldo (como diria o passarinho Piu-piu do desenho animado anos 80: eu acho que eu vi um gatinho... Ou seria o “assassinato” de uma empresa?) ?
Como administrador e gestor de carteira devidamente registrado na Rua Sete de Setembro, eu deveria estar tranquilo, alegre e satisfeito por morar na Cidade Maravilhosa e saber que, mesmo que cometa loucuras (como atuar de forma descuidada e com desleixo afrontando o art. 153 da Lei 6404), sempre existirá uma tábua de salvação, a ser adquirida mediante pagamento de um Darf. Mas me sinto como o velho Raul, que não estava feliz por morar em Ipanema, dar pipoca aos macacos e ter um Corcel 73, e não vou ficar sentado e parado: continuarei a articular a minha boca cheia de dentes para sussurrar tímidos protestos.
Não escrevo como teórico ou acadêmico que nunca pisou em uma assembleia ou em um conselho de administração/fiscal. Em 2007/2008 atuava como presidente de um conselho de administração de uma empresa de vários bilhões de reais de faturamento onde, por unanimidade, ficou decidido e escrito que o diretor financeiro só poderia realizar operações de derivativos de câmbio com contratos padronizados na BM&F. Em português claro: operações com caráter especulativo eram terminantemente proibidas. Tenho a convicção de que, se o diretor financeiro ousasse descumprir a regra, ele seria demitido e processado, sem direito a bônus e D&Os. E, conhecendo o temperamento raivoso de alguns conselheiros (do tipo que rasga ata de reunião), devo crer que ele tomaria umas boas porradas também.
Pessoas de bom senso (imagino que sejam os tais sujeitos probos da Lei) educam seus filhos com valores universalmente aceitos: não matar, não roubar, tratar com respeito e dignidade os idosos, ser diligente no trato de bens que lhes são confiados, etc. Infelizmente no nosso mercado de capitais não funciona assim e algumas crianças mimadas (leia-se administradores petulantes), por falta de punição (leia-se inabilitação), continuarão com liberdade para zombar da cara do inspetor da escola (o regulador), esbofetear e arrancar os cabelos e as moedas dos seus coleguinhas (os investidores) e por fim depredar/dilapidar a escola onde estudam (as empresas e o próprio mercado). Cortar a mesada de criança rica, criada a leite de cabra, não funciona em lugar nenhum do mundo, assim como não funciona negociar pagamentos de milhares de reais nos "termins" para administradores milionários. A linguagem que crianças e administradores entendem é a restrição ao uso do playground; no caso dos marmanjos a boa e velha inabilitação para atuar no mercado.
E enquanto isso o Projeto de Lei 1851/2011 dorme nas gavetas bolorentas do nosso Congresso e ficamos sem resposta para uma intrigante pergunta: onde estavam mesmo os administradores da Aracruz?
Abraços a todos e um bom feriado/final de semana,
Renato Chaves

Comentários

  1. Parabéns pela matéria Renatão.
    Abraço,
    Pacheco

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  2. http://www.jusbrasil.com.br/politica/103490964/caso-da-aracruz-ficou-sem-andamento-na-cvm-para-acionistas-perderem-o-direito-a-indenizacao/relacionadas

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  3. Renato, também te parabenizo pela matéria!

    A CVM, de fato, não tem agido com o rigor que se espera... Sempre que leio sobre isso, me recordo de uma ação julgada recentemente pela CVM que envolvia umas 80 pessoas físicas e jurídicas, investigadas por supostos prejuízos causados a um fundo de pensão (ops, tomei um choque!). De início, a CVM falou em quadrilha, em "combinação de resultados" (termo meu), mas, no final da história, rolou uma pororoca de absolvições... Ninguém foi punido!

    Abs,
    Santos

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  4. http://advivo.com.br/blog/luisnassif/as-pressoes-sofridas-pelo-presidente-da-cvm-no-caso-aracruz

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  5. Caro Renato
    Novamente vc pontua com clareza os últimos acontecimentos. A imprensa os noticiou de forma alarmante, inclusive os argumentos da CVM para que o processo fosse extinto.
    Na minha opinião o mais intrigante foi um trecho da matéria publicada no Estadão de que colaborou com este acordo o fato da Fibria ter "aberto mao" das indenizaçoes por prejuizos.
    Mas a Fibria é uma companhia aberta - ela poderia abrir mão solenemente destes direitos sem uma assembléia?
    Artur Neves

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