Auditorias externas: conflitos infinitos e o trabalho do PCAOB

Vocês tem acompanhado o noticiário sobre o trabalho do Conselho de Supervisão de Contabilidade de Companhias de Capital Aberto (PCAOB), criado pela SOX? Quem tiver curiosidade os relatórios podem ser acessados na página http://pcaobus.org/Pages/default.aspx, no link “Inspections”.
Alguns números publicados: (i) a firma de auditoria da letra P (o nome não importa –todas são parecidas...) - deficiências em 28 de 76 trabalhos inspecionados; (ii) a auditoria da letra K - problemas em 12 dos 54 trabalhos. Índices que mais parecem contagem de vítimas fatais por semana em minas de carvão na República P#x*pto da China.... Pelo preço que as auditorias cobram o índice deveria ser muito próximo de zero.
Pois bem, o fato é que, ao relatar falhas nos trabalhos dos auditores, o Conselho tem colocado as auditorias na defensiva. Recentemente, o jornal Valor replicou uma matéria da Reuters onde o chefão de uma big4, de forma curiosa, resmunga contra a tese do rodízio de auditores, mas reconhece que é natural, para os auditores, focar “a pessoa com quem estão falando, com a pessoa que, de alguma maneira, está avaliando e decidindo se você continuará a ser o auditor e remunerando-o”.  Uma bela confissão, que ressalta que o conflito de interesses entre contratante/pagador/auditado e contratado/recebedor/auditor só pode ser amenizado pelo rodízio, mas não a cada 10 anos..... Afinal, como um amigo de um amigo de um amigo sabiamente proclamou, relação corporativa de 10 anos vira joint venture.
Na ilha de Manhattan, assim como aqui, as falhas gritantes das auditorias, especialmente nos casos de fraudes não detectadas, terminam em termos de compromisso com o regulador. Os valores são outros, a bem da verdade - a auditoria da letra D pagou por lá US$ 50 milhões para “arquivar” um processo (neologismo para “processos para debaixo do tapete”). Por aqui a régua ainda está na faixa de R$ 1 milhão, como observamos nos processos de apuração do “esquecimento” na divulgação nos ITRs dos riscos de contratos de hedge com duplo indexador que quebraram duas importantes empresas brasileiras.
Sonhar não custa nada, já dizia um famoso samba-enredo carioca: no mundo ideal (onde banqueiro baiano e senadores com mais de 70 anos não entram) as empresas listadas pagariam uma taxa de auditoria, de acordo com o seu PL/faturamento, esses valores seriam administrados por um comitê gestor e as auditorias cobrariam seus honorários de acordo com uma tabela, com rodízio a cada 5 anos. Caberia ao comitê escolher a firma de auditoria para cada empresa listada, avaliar regularmente a qualidade do trabalho e arbitrar eventuais pleitos, como aumento de honorários. Os críticos dirão que isso é controle de preço na marra (e de qualidade também), mas a famosa RCI (relação comercial íntima) entre auditor-auditado simplesmente deixaria de existir, para tristeza dos garçons do D’Amici e Figueira Rubayat.
Abraços a todos e uma boa semana,
Renato Chaves

Comentários

  1. Obrigado pelo bom artigo, Renato!

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  2. Parabéns por levantar este (e vários outros pontos) fundamentais e pouco discutidos no mundo da Governança Corporativa, Renato. O ponto crucial nesse caso é que, seja pela responsabilidade (de fato) ou pelo grande amaranhado de procedimentos padronizados, a indústria de auditoria caminha inexoravelmente para a consolidação e para o oligopólio.
    As barreiras à entrada tornam-se justificadamente imensas, mas, por outro lado, a concentração resultante é inimiga da capacidade de seleção ou da segmentação e, consequentemente, da qualidade.
    Ou seja, há um paradoxo concreto entre a exigência crescente (que naturalmente consolida e cria barreiras à entrada) e a necessidade de competição, segmentação e alternativas neste serviço.
    Sem pensar numa forma saudável de resolver isso é difícil mudar o cenário. Abs

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  3. Prezados Kevin e Álvaro,
    Talvez a única maneira de enfrentar a perversa concentração seja transferir o poder de contratação para os acionistas minoritários. E nas empresas sem controle definido seria estabelecido um quórum mínimo para a escolha do auditor. Penso que dessa forma o rodízio deixaria de ser algo importante, pois o controle de qualidade e o poder de contratação não estariam com a Administração. Mais uma ideia polêmica....

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  4. Consta no formulário de referência, encaminhado à CVM que a empresa controladora do grupo do empresário Eike Baptista, a EBX gastou em 2010 R$24.400,00 com serviços de auditoria. (isso mesmo, vinte e quatro mil e quatrocentos reais). A empresa que auditou não faz parte do grupo intitulado Big Four, é uma brasileira, com sede no Rio de Janeiro. Já o braço de exploração e produção de petróleo do mesmo magnata, a OGX gastou no mesmo período R$487.656,00 (quatrocentos e oitenta e sete mil, seiscentos e cinquenta e seis reais). Sendo que essa última foi auditada pela mesma empresa que cobrou os mais de R$28 milhões da Petrobras.
    Caso não houvesses distorções relevantes nos balanços da maior empresa do país, eu diria que a Petrobras poderia comparar e tentar reduzir esse custo de auditoria de R$28 milhões, para algo, não digo próximo, mas pelo menos proporcional aos cerca de R$ meio milhão, do nosso amigo Eike. Mas o valor que aqui está em questão não são R$28 milhões!
    Respondendo à pergunta da epígrafe deste artigo:
    O preço de ser auditado por uma Big Four?
    R.: Bem... no caso da Petrobras, em 2011 o preço foi de R$657 milhões, o valor do tal do impairment.

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