A remuneração de conselheiros e a garganta irritada.

Ultimamente a minha garganta tem ficado irritada com freqüência. Não sei se a causa é o frio patagônico que castiga a cidade maravilhosa, potencializado pelo eventual vento sudoeste que encaro nas minhas corridas matinais pela orla de Copa, ou se estou ficando rouco de tanto escrever* sobre as aberrações nas remunerações de administradores nas empresas de capital aberto brasileiras, especialmente nos conselhos de administração (*êta piadinha mais sem graça).

Confesso que estou atarantado com essa situação, pois achava que já havia visto de tudo em termos de criatividade na hora de remunerar executivos – participação nos resultados/bônus CP, bônus LP, incentivos de longo prazo (ILP), bônus target (mas com um mínimo garantido para o caso dos astros não ajudarem), matching, luvas de contratação, prêmio por cessação do cargo, pacote de ações (livres ou “vestidas”), etc. Santa ingenuidade.... No caso específico de conselheiros de administração, as notícias publicadas no jornal Valor Econômico dos dias 30/5 (Superconselheiros) e 06/06 (Salário anual na Cia. XpTO será de R$ 13 MM, mais bônus de 25%), além da leitura atenta dos formulários de referência recentemente atualizados, me levam a concluir que tudo não passa de um conjunto de arranjos para acomodar situações tão nebulosas como cinzas de vulcão chileno: são pacotes de aposentadoria para ex-executivos, “luvas” de saída prometidas na contratação ou prêmios de controle diferidos no tempo – são parcelas quase-fixas, por vezes travestidas de remuneração variável, negociadas com o acionista controlador, mas pagas com o resultado da operação, ou seja, dinheiro de todos os acionistas.

Com larga vivência no trato com executivos de padrão internacional não vejo como um conselheiro de administração pode fazer jus a uma remuneração de R$ 13/15 milhões/ano. Nem trabalhando 25 horas por dia, dormindo em pé dentro da Cia.. Quanto um superconselheiro como esse deveria “gerar” de receita adicional para justificar tal “prêmio”? Bônus de 25% pelo cumprimento de indicadores operacionais? Desde quando conselheiro de administração deve ser avaliado por indicadores operacionais? Será que reinventaram a forma de cultivar cana de açúcar e não me avisaram? A produção de combustível a partir da semente de babaçu já é comercialmente rentável? Ou será que os postos de combustível acabarão e nossos carros serão reabastecidos em pleno movimento por mangueiras voadoras, como se fossem caças de combate F-18 em combate no Oriente Médio? Já assisti palestras de alguns desses “gênios da lâmpada” (ou seriam engenheiros de foguete?) e a minha vida não mudou (ainda bem dirão os amigos mais próximos e os genuínos alvinegros). Será que as brilhantes idéias só aparecerem nas pequenas salas de reunião de conselhos (com no máximo 25 m²) e não são registradas nas atas, ou tudo não passa de um novo formato de inebriante consultoria estratégica milionária de alto nível?

Volto a repetir: não podemos afirmar categoricamente, mas seja em Barbacena, Conceição do Coité ou na Rua Assis Brasil isso tem jeito, forma e cheiro de distribuição disfarçada de dividendos (ou prêmio pela venda de controle) para acionistas controlador – seriam fortes indícios, como escrevem os jornais para fugir de questionamentos judiciais. Será que aquele brilhante conselheiro independente, com MBA em Harvard, aclamado na eleição por acionistas minoritários, também terá o direito de receber essa montanha de dinheiro? Lógico que não, pois a remuneração será paga na “empresa de baixo”, onde conselheiro independente não entra....

Como a minha modesta opinião é compartilhada por renomados headhunters (na citada matéria Superconselheiros) – todos merecem uma remuneração justa, condizente com as responsabilidades, mas não tão alta a ponto de interferir na formação de opinião do conselheiro (afinal ninguém é louco de “chutar o pau da barraca” deixando para trás um gordo cheque de R$ 13/16 milhões) – vou continuar com a minha pregação no deserto – e consequente rouquidão. Afinal, como diria Louis Brandeis (1856-1941), um dos mais famosos ministros da Suprema Corte dos EUA, considerado o Robin Hood do direito pela revista The Economist (eu li, repasso, não se foi ele que disse, não conheço o autor, mas gostei...): “A luz do sol é o melhor desinfetante”.

Transparência, transparência e mais transparência.

Abraços a todos e uma boa semana,
Renato Chaves

Comentários

  1. Bom dia Renato,

    Esses dias ouvi um comentário interessante e gostaria de saber sua opinião, um renomado consultor disse em um Happy-Hour:

    "Não quero ser conselheiro, pois fazendo consultoria ganho meus honorários sem muito questionamento, assumindo posições em conselhos tenho problemas com conflitos de interesse e também quando as remunerações são realmente atrativas há questionamento"

    Obviamente não estamos em um mundo onde tudo ocorre de forma idônea, mas até que ponto esse tipo de comentário pode realmente afastar grandes especialistas/estrategistas de uma cadeira de conselho de uma empresa de capital aberto?

    Abraço

    Denys Roman

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  2. "Perfeita colocação. Pagamentos assim realmente não podem ser considerados prestação de serviços de conselho em nenhum lugar do mundo. Escondem outras motivações e devem ser tratados desta forma por investidores e reguladores".

    Abs,
    Mauro Rodrigues da Cunha, CFA

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  3. Boa noite meu caro Denys,

    Penso que um profissional experiente sabe da enorme diferença que existe entre ser “somente mais um” de tantos consultores que passam por grandes empresas e ser um membro do conselheiro de administração, com toda a visibilidade não só para o mercado de capitais como para aquele segmento específico. Quanto à responsabilidade individual, penso que o conselheiro atuante, que procura não somente apresentar contribuições como também fiscalizar com rigor a atuação dos executivos certamente tem reduzido o risco de questionamentos futuros; a observação atenta do que significa o dever de diligência é o melhor preventivo para futuras dores de cabeça.

    Um forte abraço,
    Renato Chaves

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  4. Olá Renato:
    Parabéns pelo post esclarecedor.
    Sou um pequeno investidor e tento ler tudo que aparece sobre as empresas em que invisto e tenho dificuldade em identificar aquelas em que alguns são "premiados" nesta distribuição disfarçada de dividendos. Onde e como encontro esta informação tão relevante?
    Att, Cláudio
    e-mail:mdclaudiobrasil@gmail.com

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  5. Prezado Cláudio,
    O melhor caminho é consultar os formulários de referência que as companhias de capital aberto são obrigadas a depositar na CVM (www.cvm.gov.br), especialmente o item 13 (que trata de remuneração), além das demonstrações financeiras (não esquecer das Notas Explicativas). Procure comparar a empresa onde você investe com outras do mesmo segmento, ou empresas do mesmo porte (faturamento idêntico), identificando como ela é gerida (o item 12 do formulário trata da Administração), como funciona o negócio e os fatores de risco (itens 4, 5 e 6), assim como o controle da Cia é exercido (item 15) e quais são as transações entre partes relacionadas – outro fator de preocupação para investidores minoritários (item 16). Além da preocupação com os fundamentos de negócio – formação de receita, estrutura de custos, etc.

    Um abraço,
    Renato Chaves

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  6. Prezado Renato:
    Obrigado pelo Mapa da Mina!
    Direto ao ponto e com várias sugestões pertinentes!
    Ab., Cláudio

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  7. Renato,

    Não poderia concordar mais com o seu texto. Realmente temos visto situações onde o pessoal perdeu o bom senso (se um dia tiveram...) e a vergonha de propor pacotes "galácticos". Na minha opinião, a solução é muita transparência e os investidores refletirem tais tratamentos nas cotações das empresas "agressivas".

    Um abraço,

    Pedro Rudge

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  8. Caro Pedro,
    Penso que os investidores estão mais atentos, pois já é possível identificar votos contrários em assembleias quando o assunto é a remuneração dos administradores.
    Um abraço,
    Renato Chaves

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  9. Pessoal, alguém sabe qual é a remuneração média mensal que é paga a um conselheiro fiscal em uma empresa S/A de capital fechado (médio porte) ?? Obrigado.

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    Respostas
    1. Prezado visitante,
      A remuneração fica na faixa de R$ 3 mil a R$ 10 mil/mês, dependendo da complexidade do negócio.
      Abraços,
      Renato Chaves

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