Artigo 118 da Lei 6404: afinal, existem conselheiros laranjas?

O artigo 118 da Lei 6.404/76 é frequentemente debatido com paixão em fóruns de governança corporativa, especialmente no que diz respeito às alterações introduzidas pela Lei 10.303/2001. Tal debate levou inclusive o IBGC a escolher o tema quando da produção do seu 1º texto de opinião, no formato de Carta Diretriz (em 2008).
Uma parcela dos ativistas em GC defende a opinião de que o §8º representa um cerceamento da atividade do conselheiro de administração, uma vez que leva o presidente do conselho a desconsiderar o voto proferido com infração ao acordo de acionistas depositado na Cia. Considerando que quase sempre esses acordos prevêem a realização de uma reunião prévia à reunião do conselho (e também antes das assembleias de acionistas), as decisões tomadas pelos acionistas serviriam como uma orientação de voto a ser seguida. Sob essa ótica seriam os membros dos conselhos considerados conselheiros “laranjas”, que simplesmente implementam a vontade do grupo controlador.
Pura balela.... Afinal a condição de “laranja”, seja em uma operação mercantil ou no mercado financeiro, pressupõe que o agente é ingênuo, sendo muito comum o uso de pessoas com baixa escolaridade.
Impossível imaginar que um conselheiro de administração de uma sociedade anônima seja ingênuo. E observamos que conselheiros de administração, quando não são especialistas em direito, finanças, etc., são detentores de uma enorme capacidade de gestão empresarial mesmo sem um razoável grau de escolaridade - isso porque são geralmente os empreendedores originais do negócio.
Além disso, nenhum conselheiro é obrigado a seguir a orientação de voto emanado em uma reunião prévia. Aqueles que o fazem sem questionar ou aceitando recomendações não alinhadas com as melhores práticas de GC merecem outra definição: são os “conselheiros bananas”.
O princípio que deve regular esse tipo de relação (acionista controlador/conselheiros) é o alinhamento, de práticas e estratégias. Quem aceita ser conselheiro em uma empresa com acordo de acionistas (são documentos públicos não existe segredo) deve ter a certeza de que as práticas de GC desse grupo estão de acordo com os seus princípios éticos. E ainda avaliar se as estratégias empresariais do grupo não trazem conflitos, seja de que natureza for. Por exemplo, se o conselheiro avalia que o negócio deverá crescer pela exploração de novos mercados e o acionista deseja que a companhia cresça fazendo aquisições, o conflito será inevitável. E convenhamos, partindo do pressuposto que ambas estratégias visam o bem da Cia., parece razoável que prevaleça a opinião do investidor, que pagou/investiu para deter o controle do negócio. Assim, o acordo de acionistas serve para garantir que a estratégia desenhada pelo grupo controlador será implementada.
A solução para conflitos do gênero está na própria Lei e na consciência de cada um: a discordância eventual deve ser registrada (não basta votar contra – é sempre bom formalizar a posição), será desconsiderada quando da apuração dos votos e, para manter a sua coerência e paz de espírito, o conselheiro deve renunciar ao cargo. Caso identifique que a decisão vai contra os interesses da Cia. ele tem a obrigação de denunciar o fato para a assembleia e o órgão regulador (Rua Sete de Setembro 111 – Rio de Janeiro – RJ).
Mas infelizmente a ferramenta foi demonizada no Brasil por conta da utilização indevida por gestores inescrupulosos. E aí os justos terminam pagando pelos pecadores... Mas existe outra opção, além de atuar como “conselheiro-banana”: atuar como ativista, fomentando a discussão das estratégias empresariais, de forma a evitar que temas relevantes caiam repentinamente no colo do Conselho. Muitas vezes, quando existem discordâncias, a sensibilização acontece e o tema é retirado de pauta, permitindo assim um maior amadurecimento da questão. Vale a pena tentar....
Abs a todos e um bom final de semana.
P.S.: já atuei como conselheiro em empresa com acordo de acionistas e nunca me vi como um “laranja” ou um “banana”....

Comentários

  1. Renato,
    Quanto a prevalecer a opinião do investidor a respeito da definição da estratégia, como você avalia o disposto no artigo 142 ("compete ao conselho de administração fixar a orientação geral dos negócios da companhia") e o 139 ("atribuições ... não podem ser outorgadas a outros órgãos")? Abraço, Carlos Eduardo

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  2. Alguns princípios (minha opinião):
    1.A principal questão da governança é o PODER e não a GESTÃO.
    2.Quem manda na empresa é o dono do capital.
    Uma opinião de um estudioso da governança:
    Pound (2001), trabalha as diferenças entre uma empresa gerenciada e uma empresa governada. Para ele, "a governança corporativa não é uma mudança no relacionamento do poder, mas a certeza de que as decisões sejam eficazes."
    "Numa empresa governada, a a alta administração e o conselho de administração devem colaborar na busca de um processo decisório eficaz e, BUSCAR ATIVAMENTE AS OPINIÕES DOS ACIONISTAS INSTITUCIONAIS".
    O acordo de acionistas tem por objetivo oficializar esta questão de PODER e de PARTICIPAÇÃO dos acionistas institucionais no processo decisório.
    UM ABRAÇO, SANTI

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  3. Alexandre Pinheiro dos Santos29/10/2010, 09:49

    Oi Renato e demais amigos e colegas,

    Tudo bem?

    Sempre com o objetivo de incrementar o mais amplo debate, permito-me indicar o endereço http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Portals/0/Juridico/Entrevistas_artigos/Pinheiro2004.pdf, no âmbito do qual compartilho artigo acerca do assunto outrora publicado.

    Forte abraço,

    Alexandre Pinheiro

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  4. Renato,

    Parabens pelo artigo!

    Abs,

    Pedro Rudge

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  5. Prezado Carlos Eduardo,
    Entendo que as atribuições do conselho não são transferidas pois o acordo de acionistas jamais pode ser interpretado como um comando impositivo e sim como uma recomendação de conduta, com o objetivo de alinhar o interesse do poder econômico com a gestão, como bem observado no comentário do Santi (do dia 29/10). O conselheiro sempre terá o livre arbítrio na suas decisões, devendo agir com o próprio juízo de conveniência e oportunidade. Essa é a linha de pensamento da Carta Diretriz do IBGC.
    Abs, Renato Chaves

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  6. Prezados amigos,
    O artigo do Dr. Alexandre Pinheiro, citado no comentário do dia 29/10, é muito didático e esclarecedor, com uma linha conceitual dissonante de outras defendidas por notórios juristas brasileiros. Vale a pena ler e opinar.
    O endereço é www.portaldoinvestidor.gov.br, no link Jurídico/entrevistas e artigos.
    Agradeço mais uma vez a contribuição do Dr. Alexandre.
    Abs a todos, Renato Chaves

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  7. Caro Renato,

    Concordo completamente com a sua visão e as suas colocações, e também acredito que temos que discutir mais o assunto para melhor orientar os que ainda têm dúvidas sobre qual deve ser o comportamento de um conselheiro com ou sem acordo de acionista. É claro que existe a grande chance deste conselheiro destoante sair do conselho em seguida, por si só por discordar das diretrizes para o melhor andamento da empresa, ou por ser trocado em uma próxima eleição. Faz parte.
    Abraço,
    HAROLDO LEVY

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  8. Caro Haroldo Levy,
    A 1ª grande pergunta que um futuro conselheiro deve fazer é se existe alinhamento com os príncipios éticos e os métodos de gestão empresarial do grupo controlador/executivos. Se a resposta for negativa é melhor nem começar.
    Abraço,Renato Chaves

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  9. Caro Renato,
    Inicialmente, meus cumprimentos por mais um excelente post. Bem lembrado explicitar em ata as razões do voto contrário. Também entendo que parelelo ao Art. 118 há outros (8o., 117, 154, 256 etc.)que ajudam a tomada da melhor decisão em benefício exclusivo da companhia.
    Sem dúvida, o Art. 118 da Lei das S.As. é um dos mais polêmicos da admirada Lei das S.As. O conselheiro de administração (ou fiscal, dependendo da situação), a rigor, deve pautar a sua atuação com consciência plena de que sua decisão irá ter consequências, positivas ou negativas, para a empresa. Desnecessário enfatizar que uma boa decisão será resultado de estudo diligente da proposta a ser deliberada. Importante buscar informações de "outras fontes", além das oferecidas. O Conselheiro de administração deve manter-se sempre alinhado aos interesses maiores da companhia, e não de agendas, às vezes, "ocultas" de alguns sócios. É indispensável ficar atento para perceber as ardis que se colocam. O saudoso prof. João Bosco Lodi nos legou que "inocência é pecado mortal quando se vive num sistema de poder". No mais, caro Renato, o conselheiro deverá estar sempre preparado para sair a qualquer momento: não será nem "laranja" e muito menos "banana".
    Um abraço,
    Wilton Daher

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  10. Olá Renato, estou entrando em contato para dizer o quando estou admirada por vc e seu belo trabalho. Assisti uma palestra na FGV esse mês e realmente fiquei admirada pela sua desenvoltura e simpatia além de tudo (pois foi muito educado ao se despedir na saida da FGV) . Apesar de não estar na área, resolvi assistir para ter um plano futuro na minha área profissional. Sou estudante de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda e gostaria de manter o contato com você para ter algumas dicas para uma melhor desenvoltura, caso nao seja incoveniente é claro.
    Deixarei meu msn e email para manter o contato.

    msn: mari_anselmo@hotmail.com
    email: mariana150santos@yahoo.com.br

    Att,
    Mariana Anselmo

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